Não refrescou nada a recente redução para 9,5% ao ano da taxa básica nominal de juros da economia brasileira, a popular SELIC. A taxa nominal de juros pode até cair um pouco, mas sua taxa real (taxa nominal menos inflação projetada para os próximos 12 meses) não sai do lugar.
O crédito não aumentou nem um tostão para o consumo individual e nem para o consumo das empresas (investimento). Sem o aquecimento dessas duas estratégicas variáveis anticíclicas não haverá chance de retomada do emprego e da produção. A economia brasileira vai continuar no buraco. Para sair do sufoco atual seria necessário agir emergencialmente no aumento dos gastos públicos em investimento (grandes obras de infraestrutura) e redução rápida da taxa real de juros da economia.
O governo imperialista de plantão faz exatamente o oposto dessas emergenciais providências. Congelou constitucionalmente os gastos públicos com despesas correntes, fator de inevitável redução do crescimento, para sobrar recursos para o pagamento dos juros reais da dívida pública. O resultado é a paralisação (para não falar de maneira mais drástica em destruição) da produção.
Com essa política econômica dos parasitas, o Estado aumentou em termos absolutos e relativos seus gastos com despesas financeiras e acabou provocando déficits e desequilíbrios crescentes das contas públicas. O Estado gasta muito porque o juro é alto. E paga religiosamente uma absurda massa de juros para os parasitas da pátria financeira.
O problema dos juros só existe como entrave ao crescimento econômico nas economias dominadas do mercado mundial. Produzir capital com travão de mão puxado. Nunca desenvolvimento econômico, eternamente crescimento econômico. No momento, nem este último está mais ocorrendo no Brasil.
No Brasil, como de resto nas demais economias dominadas, o problema dos juros não é um mero problema de distribuição ou concentração de renda (1). O buraco é mais embaixo. Trata-se de um problema de luta de classes, de exploração imperialista e de conservação a qualquer custo da propriedade privada especificamente capitalista.
Nota marginal
Em termos populacionais, os parasitas burgueses que vivem mamando na dívida pública através dos inúmeros e sofisticados “produtos financeiros” não passam de 10% da população brasileira. Não são, portanto, apenas um punhado de malvados banqueiros judeus, como é povoada a imaginação popular. Calcula-se que a massa de burgueses no Brasil seja pouco mais de 20 milhões de indivíduos (entre pais e filhos) totalmente improdutivos, mesmo aqueles empregados na forma assalariada para vigiar e massacrar, com reforma ou sem reforma trabalhista, os trabalhadores produtivos empregados ou desempregados do exército industrial de reserva no Brasil.
Esses 20 milhões de parasitas da pátria financeira e imperialista encarnam a verdadeira base social e econômica burguesa. Ela é composta da burguesia propriamente dita, proprietária dos meios de produção social, da pequeno-burguesia assalariada ou apenas pequeno e média proprietária, rentistas em geral e outras espécies genéricas de despachantes do imperialismo.
Esses 20 milhões de pais e filhos de parasitas sociais encarnam, portanto, incontáveis formas e funções de classe dominante para a preservação do mercado, do Estado democrático e da propriedade privada especificamente capitalista: empresários industriais, comerciantes, profissionais liberais, grandes proprietários de imóveis urbanos e agrícolas, engenheiros, médicos, advogados, banqueiros, juízes, economistas, ecologistas, jornalistas, religiosos, burocracia militar e policial, professores e outras disciplinas estritamente ideológicas, técnicos e administradores em geral, etc.
Enquanto isso ocorre, a população operária produtiva de 90% da população nacional (pouco mais de 180 milhões de pessoas) continua amontoada nas imundas linhas de produção de capital ou desempregada nas franjas do exército industrial de reserva.
Para que não se diga que a breve descrição acima da classe burguesa no Brasil é um exagero, ou que esteja até invadindo inadvertidamente outras áreas da realidade social não autorizadas para uma análise econômica, voltemos ao singelo tema econômico deste boletim.
Relembre-se, então, que é a taxa real de juros, não a nominal, que conta na dinâmica do mercado e na possibilidade de reativação da produção. E, data vênia, essa sagrada criatura dos capitalistas e parasitas do imperialismo em geral no Brasil continua junto às piores companhias no ranking mundial.
Vergonhosos 3,71% ao ano. Catastróficos para a retomada do crescimento. Vejam a lista do “top 10” das piores taxas de juros reais do mundo.
1 Rússia 4,59%
2 Turquia 3,93%
3 BRASIL 3,71%
4 Indonésia 3,36%
5 Colômbia 2,06%
6 China 1,45%
7 México 1,43%
8 Índia 1,39%
9 África do Sul 0,86%
10 Argentina 0,36%
Observa-se na lista acima de grandes devedoras e potenciais caloteiras que são todas economias dominadas, submetidas ao peso do sistema bancário e financeiro global. As economias que conformam os chamados BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – ocupam a metade da lista. Os BRICS reúnem grandes economias dominadas no mercado mundial. Também são relativamente grandes as demais componentes da lista acima: Turquia, Indonésia, Colômbia, México e Argentina.
Observe-se também, de passagem, uma coisa muito ilustrativa da natureza do mercado mundial marcado pelo desenvolvimento desigual e combinado entre as diversas nações. A realidade de taxas de juros reais elevadas nas economias dominadas é totalmente diferente do que se pode observar nas economias dominantes do G7 (sete maiores economias do mundo).
1 Canadá – 0,34%
2 Japão – 0,48%
3 Estados Unidos – 1,06%
4 França -1,43%
5 Itália – 1,63%
6 Alemanha – 1,92%
7 Inglaterra – 2,24%
Todas as economias do G-7 apresentam taxas de juros reais negativas. Isso não acontece por acaso. São economias que lutam contra a tendência à queda da taxa de lucro de mais um final de ciclo periódico de superprodução de capital. Nesta luta contra a deflação e a crise que se aproxima, as economias dominantes podem aplicar com toda a força suas redes protetoras anticíclicas sem depender dos interesses esterilizantes de suas parcelas burguesas de rentistas e parasitas econômicos estrito senso.
Fundamentalmente, é a produtividade do trabalho de uma economia nacional que determina o valor ou qualidade da sua moeda. Diferentemente das economias dos BRICS – onde predomina a extração da mais valia-absoluta, baixa produtividade do trabalho, como forma de valorização do capital – nas economias do G7 predomina a mais-valia relativa, produtividade do trabalho relativamente elevada. É essa última forma de valorização que permite a uma determinada economia nacional possuir “moeda forte” ou, simplesmente, moeda conversível no mercado de câmbio internacional.
Com sua base de valorização desenvolvida e diferente das economias dominadas, as economias dominantes do sistema imperialista também detêm, além de moedas plenamente conversíveis, um sistema financeiro e bancário privado doméstico suficientemente desenvolvido – capaz de garantir autonomamente as necessidades nacionais de moeda e de crédito dos setores industriais e outras atividades onde se produz capital.
Somando as duas listas, verifica-se que a taxa real de juros do Brasil, do mesmo modo que a nominal, é uma das três maiores do mundo. Praticamente empatada com a da Rússia e a da Turquia (3,93%). Três grandes meliantes da economia mundial.
Nota marginal 2
Diferentemente do Brasil, a Rússia de Putin pelo menos apresenta a desculpa de que ela pode ser uma meliante econômica, mas é também uma superpotência militar e geopolítica. Isso é verdade. Uma grande exceção na era moderna. Uma economia dominada com um exército dominante. O problema é que fazer guerra pelo mundo custa caro. Principalmente para uma economia sem moeda conversível e sem um forte sistema financeiro nacional para financiar as despesas militares.
O Brasil, por seu lado – muito menos, inclusive, que a Turquia – não pode justificar sua taxa recorde de juros pelos mesmos motivos militares “nobres” dos russos de enfrentar inimigos externos fortemente armados. Muito pelo contrário. Por aqui, território de caça de Washington, a única atividade militar visível do Estado é o covarde papel do exército nacional do Sr. Jungmann (2) de subir o morro para matar a indefesa população trabalhadora (muitas crianças) do exército industrial de reserva nacional. É por isso que esse gigante “deitado eternamente em berço esplêndido” não passa de um anão geopolítico e mero quinta-coluna de Washington junto a seus vizinhos sul-americanos.
Concluímos, por hoje, outras brevíssimas observações acerca deste ranking mundial de juros reais. A maioria das grandes economias dominadas já foi integrada passivamente às cadeias produtivas globais. Em maior ou menor grau, dependendo da área geoeconômica da periferia.
A dinâmica produtiva interna dessas economias dominadas depende, portanto, de uma desproporcional atividade comercial exportadora e importadora, somada a um continuo afluxo de capital externo. Só o neomercantilismo mantém as aparências das moedas das economias dominadas.
Isso não é tão premente nas economias do G-7, que detêm moedas conversíveis e sistema financeiro privado interno que pode bancar sua atividade econômica nacional. Não precisam se preocupar com gigantescas somas de reservas internacionais para servir de muleta às suas moedas nacionais.
A integração passiva às cadeias produtivas globais das economias dominadas neste início de século 21 é o único remendo imperialista que poderia compensar as fragilidades monetárias estruturais dessas economias: baixa produtividade econômica, ausência de moeda conversível, ausência de um sistema financeiro privado nacional desenvolvido etc.
Efeito colateral necessário deste remendo que cria instabilidades macroeconômicas muito mais resistentes que no passado: inevitabilidade de taxas de juros permanentemente elevadas para financiar as dívidas públicas dessas economias dominadas. Isto é inescapável na atual reestruturação imperialista do desenvolvimento desigual e combinado do mercado mundial.
Esta reestruturada armadilha imperialista é a principal razão pela qual o Brasil das “reformas” deve continuar no buraco por muito mais tempo do que imaginam os economistas do sistema e a porca propaganda da mídia dos parasitas nacionais e seus patrões estrangeiros.
Notas:
1) No Brasil chamam de renda a qualquer tipo de rendimento, inclusive os salariais.
2) Raul Jungmann, ministro da Defesa.
Ana Araujo e José Martins são economistas.
O original encontra-se em Crítica da Economia.
Fonte: Correio Cidadania