A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia disse, na segunda-feira (5), que o Brasil e o mundo passam por uma mudança perigosamente conservadora. Ela defendeu a manutenção de direitos fundamentais conquistados ao longo dos últimos 30 anos, sob a vigência da Constituição de 1988.
“Queria lembrar que estamos vivendo mudanças não só no Brasil. Uma mudança inclusive conservadora em termos de costumes. Às vezes, na minha compreensão de mundo, e é só na minha, não significa que eu esteja certa, perigosamente conservadora porque a tendência é que de direitos fundamentais que são conquistados a gente recue”, disse.
Para Cármen Lúcia, mesmo que as mudanças eventualmente não sejam as desejadas, “se tiver respeito à Constituição já é um ganho”. A ministra participou na manhã desta segunda do seminário “Desafios Constitucionais de Hoje e Propostas para os Próximos 30 Anos”, promovido em Brasília pela editora Fórum.
O tema da palestra de Cármen Lúcia foram as mudanças promovidas pelo Supremo nos últimos 30 anos. A ministra mostrou-se otimista em relação às conquistas e destacou o direito à liberdade de expressão.
“O brasileiro está nas ruas, está presente. Se ele fala algo que não gosto, não é meu inimigo”, disse. “Essa é uma mudança que foi possível porque vivíamos em 88 e continuamos vivendo numa democracia.”
No entanto, Cármen Lúcia ressaltou que a luta pela democracia é permanente. “[Em 1988] O país vinha de um processo extremamente doloroso, de uma ditadura que tinha lutas e lutos. As lutas não acabam, porque a democracia e a Justiça são lutas permanentes”, afirmou.
“Mesmo que eu fique preocupada com as escolhas feitas, elas são típicas de cidadãos livres”, disse.
Após a palestra de Cármen Lúcia, o ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto falou sobre a força normativa da Constituição, que, para ele, aumenta conforme o tempo passa.
“[O artigo 78 da Constituição diz:] O presidente da República e o vice tomarão posse perante o Congresso Nacional. Seja quem for o presidente da República, tem que baixar sua crista. Eventualmente elitista, eventualmente autoritário, tem que baixar a crista para a Constituição. Porque, se não baixar a crista, salta do [artigo] 78 para o 87. O que é o 87? O impeachment”, disse Ayres Britto.
“A gente ‘desfulaniza’ as coisas e percebe que povo desenvolvido é o que gravita em torno das instituições. Queremos instituições, agentes de instituições fiéis a elas, e elas fiéis às suas finalidades. Nessa eleição nada foi teórico, nada foi conceitual. Foi tudo na base do xingamento, da resposta, tanto que o índice de rejeição foi muito alto dos dois lados, nunca vi um índice de rejeição tão alto. Um chamamento lógico, racional que se faz ao país é um retorno à conceitualidade”, declarou.
“Chegaremos em breve à conclusão de que esse pugilato leva à agudização da crise”, concluiu.
Questionado por jornalistas ao final do evento, Ayres Britto disse que vê a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) “sob o prisma da Constituição”. “Está eleito, é o presidente, vai tomar posse, para representar a coletividade toda. Claro que haverá oposição, democracia vive de oposição. Democracia é o governo das maiorias, respeitados os direitos das minorias”, afirmou.
DIREITOS SOCIAIS
O ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, chamou a atenção em sua palestra para a necessidade de se garantirem os direitos econômicos e sociais em momentos de crise como o atual. Para ele, há mecanismos para proteger os direitos individuais previstos na Constituição —o direito à vida, à propriedade, à liberdade de ir e vir, de pensar, de crença—, mas é preciso criar instrumentos para preservar os direitos ao trabalho, à previdência, ao lazer.
“O STF assumiu seu papel contramajoritário e se revelou um bastião de resistência contra o punitivismo existente na sociedade em função do aumento da criminalidade: restringiu o uso de algemas, garantiu o acesso dos advogados aos autos, acabou com a prisão por dívidas”, disse Lewandowski.
“Embora o mundo seja negro em termos de genocídio, terrorismo, temos que admitir que temos instrumentos fortes para defender esses direitos de primeira geração, direitos individuais. Mas, nessas crises financeiras, que são recorrentes desde a crise de 1929 —a de 2008, em que o [banco] Lehman Brothers faliu levando junto dodo o sistema mundial e até hoje o mundo não recuperou, inclusive o Brasil se ressente, o desemprego, a recessão, a inflação são ecos dessa crise—, quem sofre são os direitos econômico-sociais, o direito à proteção ao trabalho, à previdência social, à cultura, ao lazer. Temos que criar instrumentos para que não haja retrocesso em direitos sociais”, afirmou.
Fonte: Folha de São Paulo