A crise econômica, as altas taxas de desemprego e de informalidade e a disparada da inflação estão entre os fatores que contribuiram para aumentar em 74% o número de pessoas que passam fome no Brasil. Só entre dezembro de 2020 e abril de 2022, aumentou de 19 milhões para 33,1 milhões o total de pessoas com fome no país comandado pelo ex-capitão Jair Bolsonaro (PL).
Em apenas um ano, 14 milhões de brasileiros passaram a conviver com a fome em suas casas. Em 2018, 5,8% dos brasileiros passavam fome. Em 2020, essa parcela subiu para 9% e, em 2022, chegou a 15,5%.
A insegurança alimentar, ou seja, quando as pessoas não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para sobreviver, atinge 58,7% da população, ou seja, 125,2 milhões de brasileiros e brasileiras -, 6 a cada 10.
Os dados são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), fazem parte do 2º Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar e foram divulgados nesta quarta-feira (8).
Além das questões econômicas, o consultor da ONG internacional ActionAid e ex-presidente do Consea (2004-2007) Francisco Menezes aponta a precarização do trabalho e o desmonte da política de estoques de alimentos como pontos que contribuiram para este quadro de miséria no Brasil.
“Tivemos uma elevação muito forte do desemprego e um processo de precarização do trabalho com o crescimento da informalidade. Soma-se à perda de renda a inflação dos alimentos, que desde 2020 não arrefece, e atinge itens básicos como arroz, feijão e óleo de soja, além do gás e dos combustíveis”, apontou Menezes em entrevista para a Folha de S. Paulo. De acordo com ele, uma política de estoques de alimentos, abandonada pelo governo, é crucial para ajudar a combater a fome.
Menezes também criticou o modelo de acesso a benefícios de transferência de renda, que requer acesso a internet e a um computador ou celular. “Extrema pobreza e aplicativo não são coisas que combinem,” disse se referindo por exemplo ao Auxílio Brasil, aprovado pelo Congresso Nacional durante a pandemia do novo coronavírus para atender as pessoas mais pobres.
De acordo com a pesquisa, o maior percentual de pessoas em insegurança grave ou fome era entre quem solicitou mas não recebeu o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso para o primeiro ano da pandemia (63%), seguido pelo grupo de quem sequer conseguiu solicitar o benefício (48,5%).
De acordo com a pesquisa, em 2022, 1 de cada 3 brasileiros já fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento.
Desigualdades históricas se acentuam
A fome no Brasil tem cor, gênero, idade, geografia e classe. O Norte e o Nordeste do país são as regiões mais atingidas pela falta de comida no prato, com 25,7% e 21% das famílias, respectivamente, passando fome.
A desigualdade regional foi constatada também no contraste entre o campo e a cidade. Nas áreas rurais do Brasil, a insegurança alimentar é vivida em 60% das casas. Destas, 18,6% estão em situação grave. Nem mesmo quem produz alimentos escapou. A fome atingiu 21,8% dos domicílios de agricultores familiares e pequenos produtores.
Em 53,2% das casas onde a pessoa de referência se autodeclara branca, o acesso a comida não foi considerado um problema. O mesmo aconteceu em 67% dos domicílios com renda maior que um salário mínimo por pessoa. Já entre os lares em que a pessoa responsável se autodeclara preta ou parda, o índice cai para 35%. Comparando com a edição anterior do Inquérito da Rede Penssan, entre lares comandados por pessoas negras, a fome aumentou de 10,4% para 18,1%.
A falta de comida atingia, em 2020, 7% das casas em que mulheres são as responsáveis. Em 2022, passou para 11,9%. Também nesse período, a dificuldade em conseguir alimentos em famílias com crianças dobrou: a fome afetava 9,4% delas e, atualmente, é a realidade de 18,1%.
Sobre a pesquisa
A pesquisa da Rede Penssan foi realizada em campo, entre novembro de 2021 e abril de 2022, pelo Instituto Vox Populi, com em entrevistas em 12.745 domicílios de 577 municípios de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal.
A margem de erro é de 0,9 pontos percentuais, para mais ou para menos.
A pesquisa, que teve apoio da Ação da Cidadania, a ActionAid Brasil, a Fundação Friedrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc.
Fonte: CUT.