“Analisando 60 blocos relevantes de temas do Direito do Trabalho, entre 2007 e 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou de modo favorável ao capital 57 dessas demandas, na imensa maioria delas, registre-se, retirando direitos do trabalho até então incorporados ao patrimônio jurídico da classe trabalhadora”. Leia a entrevista com Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho, autor da obra Justiça Política do Capital: A desconstrução do direito do trabalho por meio de decisões judiciais, novo lançamento da Tirant Brasil!
1) Grijalbo, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?
Embora o título do livro possa eventualmente assustar, a sua escolha decorre de uma constatação evidente, qual seja, a sistemática destruição do Direito do Trabalho pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos anos, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto sob o olhar qualitativo.
Analisando 60 blocos relevantes de temas do Direito do Trabalho, entre 2007 e 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou de modo favorável ao capital 57 dessas demandas, na imensa maioria delas, registre-se, retirando direitos do trabalho até então incorporados ao patrimônio jurídico da classe trabalhadora.
O titulo nuclear Justiça Política do Capital do meu livro pela Editora Tirant Lo Blanch tem como referencial teórico a obra clássica de Otto Kierchheimer publicada originariamente no ano 1961(Justicia Política – Empleo Del Procedimiento Legal para fines políticos, Espanha, Comares, 2001), na qual é revelada a atuação do Poder Judiciário de forma desvirtuada para atingir determinados propósitos políticos. Kirchheimer examinou, alerto, a perseguição judicial no processo de natureza penal.
A partir da ideia de justiça política ou de lawfare no direito penal, coube-me trazer os seus supostos para o Direito do Trabalho examinado pelo STF, ao perceber, após investigar dezenas de decisões do Supremo Tribunal Federal, que o método utilizado para desmoronar o juslaboralismo foi a inversão deliberada de sua principiologia constitucional e teórica.
Poderia ter optado por outros títulos: “STF: onde o Direito do Trabalho não tem vez” ou “STF e Direito do Trabalho: a classe trabalhadora como inimiga”. Justiça Política do Capital, contudo, é mais coerente com a pesquisa que redundou no livro.
2) Como foi o processo de criação da obra?
O Livro Justiça Política do Capital é fruto de uma pesquisa de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Professora Daniela Muradas Antunes, cuja tese foi defendida e aprovada no dia 30 de novembro de 2020.
Foram mais de quatro anos de pesquisa e reflexão acerca de tema inicialmente assim vislumbrado como objeto importante em 2015.
O livro, contudo, não é uma simples repetição da tese. Existem ajustes, decotes e acréscimos, bem como um Capítulo inédito, o de número 6, que trata da atuação do STF em casos não relacionados diretamente com o Direito do Trabalho, no período republicano, começando pelo “caso Olga”, passando pela cassação do Partido Comunista Brasileiro, o golpe militar de 1964, a ditadura militar(1964-1985), até chegar à operação política denominada de “Lava Jato”.
Como pesquisa de caráter acadêmico, além da consulta envolvendo mais de uma centena de decisões do Supremo Tribunal Federal, desde 1989, sem contar aquelas também examinadas no Capítulo 6 (desde 1936), a abordagem jurídica levada a cabo, com substrato na literatura especializada do Direito Constitucional do Trabalho, dialogou, de forma interdisciplinar, com segmentos outros das ciências sociais, com destaque para a economia política, a sociologia, a história e a ciência política.
3) Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?
Em primeiro lugar, espero que o livro Justiça Política do Capital provoque a necessária reflexão do conjunto da sociedade civil organizada a respeito da destruição do Direito do Trabalho por meio de decisões judiciais, quando o Poder Judiciário deveria ser o garantidor dos Direitos Fundamentais assegurados na Constituição da República à classe trabalhadora.
A Constituição de 1988 não é uma ordem jurídica fundada sob o símbolo do neoliberalismo tão decantado por alguns dos julgadores. Ao contrário, o seu texto repele de modo expresso o funcionamento da livre iniciativa e do mercado sem respeitar os direitos do trabalho. Lamentavelmente, os discursos nos autos e fora dos autos contra o Direito do Trabalho nos fazem lembrar o papel dos juízes de paz na Inglaterra no século 19, adversários do cumprimento da incipiente legislação trabalhista de natureza protetiva.
Espero que o livro, portanto, para além da reflexão, sirva à comunidade jurídica como meio de tensionamento das decisões do STF, a ponto de provocar no futuro a revisão dessa jurisprudência de devastação do juslaboralismo, com a consequente alteração dos marcos da selvagem e impiedosa terceirização, do negociado sobre o legislado, da prescrição sobre o FGTS, da competência usurpada da Justiça do Trabalho e de tantas outras matérias decididas pelo Supremo Tribunal Federal que precarizaram as relações de trabalho no Brasil.
4) Qual a importância de debater esse tema?
É imensa. Todos os grandes temas nacionais, na atualidade, estão de alguma forma judicializados no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Por isso mesmo, as manchetes dos jornais impressos, sites e blogs estão quase sempre relacionadas ao que vai ou foi decidido pelo STF. Os temas de direitos civis, políticos e penais merecem ampla cobertura e debate televisivo.
Por outro lado, embora guardadas de igual relevância, as matérias do Direito Constitucional do Trabalho são decididas pelo Supremo Tribunal Federal em um silêncio quase sepulcral, mesmo isso significando que as relações de trabalho estão sendo substancialmente modificadas, com efeitos jurídicos para o passado, presente e futuro, com a perda de inúmeros direitos trabalhistas por cerca de 100 milhões pessoas trabalhadoras, a população economicamente ativa, afetando, assim, essas pessoas e a todas as suas famílias, portanto, bem mais de 2/3 da população brasileira.
É muito grave.
Em poucos locais do mundo se destruiria tantos direitos sociais do conjunto da classe trabalhadora com tamanho silêncio.
Daí porque o primeiro significado do livro Justiça Política do Capital é descortinar a realidade, a realidade de uma dizimação de direitos conquistados pela classe trabalhadora, desregulação laboral contra a Constituição da República.
Depois, e não menos relevante, a obra pretende inaugurar o debate, a pesquisa e a crítica permanente em torno de assunto eleito como princípio fundante do Estado Democrático de Direito, o direito ao trabalho e o Direito do Trabalho.
Que novas, melhores e mais aprofundadas pesquisas sejam feitas sobre o papel do STF como elemento não neutro de desregulação e precarização das relações de trabalho no Brasil.
5) Qual aprendizado o Dr. teve ao estudar, escrever e analisar o tema?
O aprendizado de que não obstante as gigantescas mudanças existentes em todas as esferas da sociedade e das relações de produção no sistema capitalista de produção, o Poder Judiciário no Brasil, em pleno século XXI, tem enorme dificuldades para fazer cumprir garantias e direitos assegurados em diplomas jurídicos nacionais e internacionais aos segmentos mais frágeis do ponto de vista econômico e político, com destaque, nesse caso, para a dilapidação de direitos sociais da classe trabalhadora.
A voz destacada em votos de julgamento é quase sempre a do capital “empobrecido” pela existência de direitos trabalhistas e também a de teóricos empresariais devidamente remunerados para a elaboração da repetição da cantilena liberal, neoliberal e ultraliberal.
Em síntese, o mundo mudou. A exploração econômica persiste íntegra. Os seus defensores estão dentro e fora do Estado. A bíblia do lucro é a única cartilha conhecida. À Constituição que se adapte, segundo pude notar da pesquisa condutora do livro Justiça Política do Capital. É hora de questionar postulados tão ofensivamente inconstitucionais.
Fonte: A entrevista foi concedida ao site Emporio do Direito.