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Economistas já falam em recessão para 2021 se não houver auxílio e crédito para as empresas

A tempestade causada pelo coronavírus ainda está longe de dar uma trégua —já são mais de 257.000 as vítimas fatais no Brasil, e subindo—, mas previsões mais pessimistas para a economia não se realizaram. O Produto Interno Bruto (PIB) teve queda de 4,1% no ano passado, para 7,4 trilhões reais, segundo os dados divulgados nesta quarta-feira (2) pelo IBGE. É a maior contração em 24 anos, ainda assim, um resultado melhor do que o previsto no começo da crise sanitária por organismos internacionais, que chegaram a falar em um derretimento de até 10% na economia nacional. Sem o suporte do pacotes de incentivo neste ano, no entanto, economistas já falam em recessão no país em 2021, a terceira em 10 anos.

No ano passado, o auxílio emergencial serviu como colete salva-vidas dos brasileiros em meio a primeira onda da pandemia da covid-19, quando diversas atividades econômicas foram paralisadas na tentativa de controlar o vírus, o que garantiu um impulso da economia nos meses finais do ano. A somatória de riquezas produzidas no país no quatro trimestre teve uma alta de 3,2%, já sem o mesmo fôlego do trimestre anterior, quando o país cresceu 7,7% e abandonou momentaneamente o fantasma da recessão, depois dos recuos de 2,1% no primeiro trimestre e do recorde negativo de 9,2% no segundo trimestre.

“O auxílio emergencial injetou na economia 4% do PIB, foi o maior programa de salvamento de pessoas na história do Brasil, e conseguiu reduzir o nível de pobreza absoluta, estimulando o comércio e a vendas de alimentos. Também teve efeito na construção civil, já que muitos usaram a ajuda para introduzir melhorias nas casas em meio ao confinamento”, afirma o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília.

O resultado de 2020, no entanto, retrocede a economia brasileira ao patamar de 2016 (no fim da última recessão), com o cenário futuro sem a expectativa da recuperação de 2017 ― quando o país voltou a crescer modestos 1,3%, após dois anos de recessão. “O Brasil, no que se refere à discussão econômica, parece viver num universo paralelo. O mundo inteiro está discutindo a manutenção dos juros baixos, novos pacotes de estímulo, renda mínima para a população e o país falando em elevar juros nas próximas semanas”, diz Oreiro.

O economista lembra que foi uma opção do Governo Bolsonaro abandonar a política de estímulo econômico, que ajudou a mitigar a crise no ano passado. “Começamos o ano sem auxílio emergencial. As empresas também perderam o BEM [benefício emergencial para preservar emprego e renda do trabalhador formal] e o Pronamp [financiamento para custeio e investimentos dos médios produtores rurais em atividades agropecuárias]. Nesse momento, temos zero programa. Nada está em funcionamento. O Governo foi irresponsável de achar que a pandemia acabaria em 31 de dezembro de 2020”, diz.

Não faltaram alertas sobre a necessidade de renovar já no final do ano o estado de calamidade pública, o que garantiria a manutenção automática do orçamento de guerra para o início de 2021. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS afirmam que esses três meses de indecisão do Governo federal, somados ao agravamento da pandemia, fazem com que o primeiro trimestre possa ser considerado perdido e o país caminhe para a terceira recessão em dez anos. “E o segundo trimestre, a depender do que o Governo fizer, pode estar perdido também”, alerta a economista Monica De Bolle, da Johns Hopkins University.

Na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que está “quase tudo certo” para o pagamento de uma nova rodada do auxílio emergencial a partir de março. O valor a ser desembolsado por mês será mais modesto do que os 600 reais pagos inicialmente. A previsão é que o novo programa de auxílio seja de 250 reais por quatro meses, um valor, segundo o presidente, “acima da média do Bolsa Família, que é de 190 reais”. A volta do benefício deve ir à votação na Câmara nesta quarta-feira.

De Bolle explica que os efeitos na economia do novo pacote serão muito reduzidos. Isso porque o país não enfrenta o mesmo cenário de crise do ano passado. “O momento da pandemia é crítico, agora temos uma nova variante do vírus, muito mais perigosa, em circulação. O Brasil é visto como um celeiros de mutações e isso reflete na economia”, diz. No curto prazo, o mercado financeiro ainda pode se beneficiar pela volatilidade causada pela incerteza econômica. “A médio prazo, a tendência de um país em trajetória de decadência é que ninguém ganhe”, diz De Bolle. Segundo ela, o Brasil é visto como uma “espécie de pária internacional” no combate à pandemia, o que afasta os investimentos de empresas, fundamentais para uma retomada sustentável.

O impacto da crise na renda das famílias

A queda no consumo das famílias em 2020 foi a menor em 24 anos ― a maior retração da série histórica, -5,5%. Segundo a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, a piora nos índices de emprego e a necessidade de distanciamento social puxaram para baixo o indicador. “Mesmo quando começou a flexibilização do distanciamento social, muitas pessoas permaneceram receosas de consumir, principalmente os serviços que podem provocar aglomeração”, analisa Palis. A renda domiciliar per capta foi de 1.380 reais em 2020, segundo dados do IBGE. Sem considerar os efeitos da inflação, o valor é valor 4,1% menor que o rendimento médio nacional registrado em 2019 (1.439 reais).

A queda no consumo do Governo também foi recorde (-4,7%), um reflexo do fechamento de diversos serviços como escolas e universidades para conter a pandemia, mas também de uma estratégia de contenção de gastos. “Tivesse o Governo aumentado seus gastos com investimento, a queda de PIB seria ainda menor. Austeridade fiscal nunca deve ser adotada em períodos recessivos”, alerta Oreiro.

A redução do consumo e dos gastos do Governo tiveram um efeito dominó na economia. O setor de serviços encolheu 4,5% e a indústria, 3,5%. Apenas a agropecuária cresceu 2% no ano passado, puxada pela soja (7,1%) e pelo café (24,4%), que tiveram safras históricas.

O peso da desvalorização do real

O engenheiro e economista Eduardo Moreira, criador do movimento #somos70porcento, diz que é preciso analisar o PIB também por seu valor em dólar, para se vislumbrar o impacto do montante real de perda da economia no cenário internacional. “A quantidade de riqueza que temos em dólar para 210 milhões de pessoas caiu quase 25% em apenas um ano”, afirma. O dado é baseado em projeção realizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que mostra que só a China conseguiu fechar o ano no azul no cálculo em dólar. Fora o Brasil, os dois países que tiveram maior queda percentual dentre as 10 maiores economia do mundo foram Itália ―o primeiro país do ocidente a ser atingido pelo caos da pandemia―, e a Índia, com queda projetada de cerca de 10% no PIB, respectivamente.

Moreira explica que o real teve a maior desvalorização entre as moedas emergentes, e isso não contribuiu para aumento das exportações, como se imagina. Isso porque em escala global, mesmo as atividades mais extrativistas como minério e agricultura, dependem de investimento em maquinário importado. “Não adianta imaginar que vamos vender mais barato, isso depende da tecnologia que usamos aqui para produzir também”. As exportações caíram 1,8% no ano passado, enquanto as importações tiveram uma retração de 10%. “Só vamos sair da crise distribuindo riqueza, com o Estado direcionando o crescimento. Eventualmente, com uma reforma tributária, podemos até ter um PIB melhor para mostrar, mas não necessariamente isso reflete na qualidade desse PIB para a população”, afirma Moreira.

Fonte: El País

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