Nos últimos anos, quando o assunto é trabalho infantil, o governo federal e muitas empresas adotaram a chamada tática do avestruz: escondem a cabeça na areia e negam a realidade em volta.
Em 2020, completam-se três anos que o governo brasileiro esconde dados sobre trabalho infantil. Os índices mais recentes são de 2016, divulgados em 2017. Desde então, sucessivos adiamentos na divulgação comprometem gravemente a formulação de políticas públicas.
A apresentação dos dados de 2017 e 2018 havia sido marcada para junho de 2019. Depois mudou para novembro. Depois para março de 2020. Agora, ficou para junho, ou seja, um ano de atraso, caso não ocorram novos adiamentos.
Em relação ao trabalho infantil, esconder informação protege violadores. Em muitos casos, são grandes empresas que se beneficiam do trabalho infantil na base de suas cadeias produtivas.
Criança preta
Não há nada mais sanitizante, em direitos humanos, do que a luz do sol, a transparência, a discussão pública e aberta. Mas poucos têm coragem. Há muitos interesses em jogo. Criança é mão de obra barata em importantes setores da economia brasileira.
Criança preta trabalhando em algum rincão isolado do país não é algo que tire o sono de 99% dos CEOs em atividade no Brasil. Estão por demais atarantados em alcançar a cenoura que corre a frente deles, as inalcançáveis metas do trimestre.
De cada dez trabalhadores infantis em atuação no Brasil, quase sete são negros. Criança preta trabalhando em algum rincão isolado do país. Poupem nossos CEOs de eventos tão irrelevantes. CEOs são machos alfa de pele branca. Estão no topo da pirâmide.
No mundo dos negócios, boa parte dos violadores são grandes empresas do setor de alimentos, vestuário, fumo e construção civil. Em nome do lucro, fecham os olhos para o que ocorre em suas cadeias produtivas.
A roupa que você veste, o chocolate que você come e o prédio onde você mora têm trabalho infantil na fabricação de produtos ou componentes. Como você se sentiria se soubesse que o gesso que reveste o teu imóvel foi fabricado mediante o desumano esforço de crianças e adolescentes?
Provavelmente, não sentiria nada. Todos temos cenouras a perseguir.
Mortes e acidentes
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) compilou alguns dados. O que se vê é aterrador.
Informações disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que 261 crianças e adolescentes morreram em decorrência do trabalho, entre os anos de 2007 e 2018. Foram registrados, no mesmo período, 43.777 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos.
Não são acidentes qualquer. Em muitos casos, envolvem amputações de membros ou traumatismos irreversíveis.
Também é preciso considerar que boa parte das ocorrências não entra no sistema, pois não são lançadas como acidente ou morte decorrente de trabalho. A subnotificação é a regra.
Fora do alcance dos nossos olhos, o governo ajuda a dissipar a culpa, ao esconder dados.
As empresas ajudam, ao meter a cabeça na areia e anunciar que fazem de tudo pela sustentabilidade.
Nós fazemos a nossa parte, ou seja, consumimos loucamente.
Não somos mais cidadãos. Somos consumidores. Predadores.
Fonte: Brasil de Fato