Ratificada pelo plenário do Supremo, decisão será submetida à Câmara, que poderá manter ou derrubar ordem
Após o STF (Supremo Tribunal Federal) referendar por unanimidade a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a prisão em flagrante de Daniel Silveira (PSL-RJ), a Câmara passou a quarta-feira (17) em articulações para derrubar a medida. Mas, em uma tentativa de aceno à corte, estuda aplicar uma punição ao deputado bolsonarista.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tentava costurar um acordo com os partidos e com integrantes do STF no sentido de revogar a prisão, considerada um precedente perigoso aos olhos dos parlamentares, mas assegurando um rito acelerado para suspender ou até cassar o mandato de Silveira.
A intenção de Lira, que está no início de sua gestão, é a de que o plenário da Câmara nem precise usar nesta quinta-feira (18) de sua prerrogativa de dar a palavra final sobre se mantém ou não a prisão. As conversas se prolongariam pela noite de quarta e manhã desta quinta-feira.
Lira chegou a telefonar para ao menos dois ministros do STF na tentativa de articular uma saída política.
Segundo relatos, ele deu o recado de que não quer gerar uma crise entre os Poderes, mas que seus aliados temiam, caso validassem a prisão, criar um precedente que pode se voltar contra qualquer um deles no futuro.
Integrantes do tribunal, por sua vez, indicaram que veriam como uma afronta do Parlamento uma atitude que livre Daniel Silveira sem nenhuma contrapartida, mesmo após o vídeo em que ele faz diversas ofensas e ameaças contra integrantes do STF, além de defender a ditadura militar.
Quando e por que o deputado foi preso? Silveira foi preso em Petrópolis (RJ) e seria encaminhado à Superintendência da PF no Rio de Janeiro, no centro da capital fluminense.
De acordo com a decisão, chegou ao conhecimento do STF nesta terça o vídeo publicado pelo deputado em que ele “durante 19 minutos e 9 segundos, além de atacar frontalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5”.
O Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, marcou o recrudescimento da repressão na ditadura militar no Brasil.
Moraes diz ainda que Silveira defendeu “a substituição imediata de todos os ministros [do STF]” e instigou “a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de Poderes”.
O deputado comenta no vídeo a manifestação do ministro Edson Fachin, que havia criticado na segunda-feira (15) a tentativa de interferência de militares no Poder Judiciário.
Qual o teor do vídeo que motivou a prisão? A fala do ministro do STF se deu após divulgação de trecho de livro no qual o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas relata que discutiu com Alto Comando da Força uma postagem, que muitos consideraram uma ameaça, às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.
Fachin disse que era “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. Nesta terça, Villas Bôas, em rede social, ironizou o ministro: “Três anos depois”.
Também em uma rede social, Gilmar Mendes, do STF, reagiu. Ele afirmou que “a harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa república”. “Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!”, escreveu.
Na filmagem que levou à sua prisão, Silveira usa palavras de baixo calão contra Fachin e outros ministros do Supremo, acusa-os de vender sentenças e sugere agredi-los.
“Hoje você se sente ofendidinho, dizendo que é pressão sobre o Judiciário, é inaceitável. Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas.”
O deputado segue com as ofensas: “Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, afirmou.
Silveira também diz que Fachin é “moleque, mimado, mau caráter, marginal da lei” e depois acrescenta que é “vagabundo, cretino e canalha”. O deputado bolsonarista também fala que o ministro é a “nata da bosta do STF”.
Em relação a Moraes, deputado chama o ministro de “Xandão do PCC” em alusão à facção criminosa Primeiro Comando da Capital. Disse também que Luís Roberto Barroso “gosta de culhão roxo” e, ao falar de Gilmar, fez um sinal com os dedos indicando dinheiro.
O parlamentar diz ainda que Fachin é militante do PT e de partidos e nações “narcoditadoras”.
“Foi aí levado ao cargo de ministro porque um presidente socialista resolveu colocá-lo na Suprema Corte para que ele proteja o arcabouço do crime no Brasil, que é a Suprema, a nossa Suprema, que de suprema nada tem.”
O que mais decidiu o ministro do STF? Moraes, ministro-relator no STF, também determinou que o YouTube seja comunicado para providenciar o imediato bloqueio do vídeo em que Silveira ataca a corte, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. A PF deverá preservar o conteúdo da gravação.
“As manifestações do parlamentar Daniel Silveira, por meio das redes sociais, revelam-se gravíssimas, pois, não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura”, afirmou Moraes na decisão.
“O autor [Silveira] das condutas é reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nesta corte, a pedido da PGR [Procuradoria-Geral da República], por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito.”
O ministro afirmou ainda que “medidas enérgicas” são necessárias para para impedir a perpetuação da “atuação criminosa” do parlamentar “visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes constituídos e o Estado democrático de Direito”.
Como Alexandre de Moraes justificou a prisão? O ministro afirmou que as manifestações do deputado , por meio das redes sociais, atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do STF, ferindo a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/73).
Diz ainda o magistrado que o conteúdo dessas divulgações se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Moraes afirma ainda que Silveira é “reiterante na prática criminosa”.
O que dizem os artigos citados pelo ministro na decisão? Moraes citou uma série de artigos da lei:
- Art. 17 – Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito
- Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados
- Art. 22 – Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; IV – de qualquer dos crimes previstos nesta lei
- Art. 23 – Incitar: I – à subversão da ordem política ou social; II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
- Art. 26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação
O que diz a Constituição Federal sobre prisão de parlamentares? Em seu artigo 53, parágrafo 2º, a Constituição diz que, desde que são diplomados, os os senadores e deputados federais não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, resolva sobre a prisão
O que a Câmara pretende fazer? Em reunião realizada nesta quarta, a cúpula da Câmara defendeu a revogação da decisão do STF, mas acompanhada de uma punição ao parlamentar, em um aceno à corte.
O encontro foi conduzido pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e contou com a presença dos demais parlamentares que formam a Mesa Diretora –colegiado que define as questões administrativas da Casa e é formado por sete deputados.
Lira passou o dia tentando costurar um acordo com partidos e integrantes do STF para revogar a prisão, considerada um precedente perigoso aos olhos dos parlamentares, mas assegurando um rito acelerado para suspender ou até cassar o mandato de Silveira.
A intenção de Lira, que está no início de sua gestão, é a de que o plenário da Câmara nem precise usar nesta quinta-feira (18) de sua prerrogativa de dar a palavra final sobre se mantém ou não a prisão
Por que a decisão de Moraes foi submetida ao plenário do Supremo? A ordem de prisão foi uma decisão liminar (provisória). Por isso, foi submetida aos demais ministros
O que disseram os outros ministros Supremo? Na tarde desta quarta, por 11 votos a 0, o plenário do STF manteve a decisão de Moraes. Os ministros Kassio Nunes Marques, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux apoiaram a decisão liminar de Moraes.
O julgamento no plenário durou cerca de 45 minutos. Logo na abertura, antes de os ministros votarem, o presidente Luiz Fux afirmou que é papel do STF zelar “pela higidez e pelo funcionamento das instituições brasileiras” e por buscar a harmonia entre os Poderes”.
Marco Aurélio, decano da corte, fez duras críticas às declarações de Silveira.
“Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiado judicante e jamais imaginei presenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula no tocante às instituições”, disse.
“Era imprescindível interromper a prática delituosa. Creio que ninguém coloca em dúvida a periculosidade do preso e também ninguém coloca em dúvida a necessidade de preservar a ordem pública e mais especificamente as instituições”, acrescentou.
O que Lira já disse sobre o caso? O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pediu “serenidade” após a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e disse que se guiará pela Constituição no caso.
Lira publicou uma sequência de mensagens nas redes sociais. O presidente da Câmara disse que a Casa “não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”.
“Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a instituição e a democracia”, escreveu o presidente da Câmara no Twitter.
Fonte: Folha de São Paulo