Apesar da Carteira Verde Amarela, que beneficia os patrões e prejudica os trabalhadores e trabalhadoras ter sido rejeitada pelo Congresso Nacional após pressão da CUT e demais centrais, o governo insiste em tirar da gaveta a proposta que desonera de tributos as empresas que contratarem trabalhadores com salários mais baixos e menos direitos.
A ideia é perversa e ainda envolve um cálculo político enorme. O governo viu que melhorou sua imagem com o pagamento do auxilio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional. Como as parcelas terminam de ser pagas em setembro, eles decidiram apressar o Renda Brasil, programa que está sendo preparado para substituir o Bolsa Família, criado pelo ex-presidente Lula.
E o que o Renda Brasil tem a ver com a Carteira Verde e Amarela? Simples. Com mais informais com contratos de trabalho precarizados, apesar de serem formais, o governo terá um contingente menor de beneficiários do Renda Brasil e não gastará tanto com os pobres.
Tudo começou quando o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) descobriu o que eles chamam de ‘invisíveis’, aqueles que solicitaram o auxílio emergencial de R$ 600. Por incrível que pareça eles não sabiam que existiam cerca de 40 milhões de trabalhadores informais que ficaram sem renda durante o isolamento social impostos pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Decidiram dar um emprego ruim para não pagarem a esse contingente o programa social. Com o velho e falso argumento que usam parar tirar direitos dos trabalhadores, os técnicos da equipe do Ministério da Economia dizem que, com a nova e precarizada forma de contratação, as empresas vão contratar os informais, gastando pouco e tendo desoneração de impostos.
A proposta da equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, é que esses ‘invisíveis’ sejam contratados como trabalhadores intermitentes, modelo criado na reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB), que assina a carteira de trabalho, mas garante menos direitos, paga salários mais baixos porque os trabalhadores ganham por hora e somente quando são chamados para prestar o serviço. Mais do que isso, os técnicos sugerem associar essas contratações à Carteira Verde Amarela, e assim beneficiar duplamente os patrões que contribuirão com valores menores tanto para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) quanto para a Previdência e reduz ainda outros direitos.
O governo entende que para não gastar mais por conta do Teto de Gastos Públicos, a regra de ouro, entre outros impedimentos fiscais e continuar pagando algum benefício, é mais fácil formalizar um trabalhador por conta própria que pode perder renda a qualquer momento, como demonstrou a pandemia, analisa o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto. Para isso, diz o professor, o governo insiste na cartilha de que se as empresas pagarem menos impostos elas contratarão mais, o que a reforma Trabalhista, que retirou mais de 100 artigos da CLT, já demonstrou que não.
E por trás da manobra do governo há uma maldade maior ainda, acreditam tanto o economista da UFRJ quanto a economista especialista em Desenvolvimento do Trabalho, Marilane Teixeira, da Unicamp. Segundo eles, caso as empresas contratem este trabalhador intermitente e sem direitos pela Carteira Verde e Amarela, o governo pode retirar este trabalhador da lista de beneficiários do Renda Brasil.
“A lógica do governo é simples. Ao associar o contrato intermitente com a Carteira Verde e Amarela eu aumento artificialmente o número de pessoas com carteira assinada e não preciso incluí-las no Renda Brasil, assim eu gasto menos com a população pobre e ainda diminuo a contribuição dos mais ricos, dos empresários”, diz Marilane Teixeira.
De acordo com a professora, com o trabalho intermitente uma pessoa pode trabalhar por apenas cinco horas na semana e ganhar até menos do que um salário mínimo (R$ 1.045,00). Seu ganho será ínfimo e, ao mesmo tempo, se este contrato for na modalidade Carteira Verde e Amarela, as empresas pagarão menos direitos ainda.
“Esta é a jogada de Guedes. Estimular o contrato intermitente com formalização ‘fantasiosa’ porque na verdade o trabalhador pode ter contrato de um ano e só ser chamado algumas vezes. Aí eu retiro esse pessoal do acesso ao Renda Brasil, já que este público foi artificialmente considerado formalizado”, alerta Marilane.
Se de um lado o governo entende que não pode perder o ganho político com o auxílio emergencial, de outro, o capital rentista, do qual Guedes faz parte, bate na tecla de que o Estado não pode gastar mais. Daí o desespero do governo em tentar manter o capital político sem desagradar os mais ricos, avalia o economista da UFRJ.
“A pandemia escancarou a brutal desigualdade do país. Metade da população brasileira, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas estão sobrevivendo com R$ 673,00 por mês, por causa do auxílio. Outros 10% mais pobres, cerca de 21 milhões, sobrevivem com média mensal de apenas R$ 239,00. Isto já com o auxílio. Se retirar os R$ 600, esta renda cai para apenas R$ 11,00”, diz Eduardo Costa Pinto.
Já para Marilane, a pandemia acendeu a luz vermelha para Bolsonaro, que a princípio queria pagar apenas R$ 200,00 de auxílio emergencial, mas graças ao Congresso e a pressão da CUT e demais centrais este valor foi aumentado.
“A maioria das pessoas não sabe que deve ao Congresso o pagamento dos 600 reais, mas o governo percebeu que foi o auxílio emergencial que não parou de vez a economia, nem fez explodir a taxa de desemprego. Sem a economia minimamente girando teríamos hoje 30 milhões de desempregados, saques a supermercados, um caos social. Para quem era contra o Bolsa Família, Bolsonaro teve de aprender que quando as pessoas trabalham por conta própria, sem o mínimo de garantias é no colo do governo que estoura a crise”, afirma a economista.
Para ela, que também é professora de economia da Unicamp, o governo retira dos menos pobres para dar aos mais pobres, em vez de taxar os ricos, as grandes fortunas e o patrimônio.
“Guedes tem esta obsessão de desonerar a folha de pagamentos das empresas achando que é o capital privado que vai estimular a economia. É exatamente o oposto, é o Estado o indutor de grandes obras e investimentos que vai fazer a roda da economia girar. E a forma de arrecadação que poderia ser feita é aumentar a tributação sobre a renda dos bancos, do sistema financeiro, as grandes fortunas e fazer uma reforma tributária. Essas fontes são factíveis e conhecidas de todo mundo, o problema é que Guedes não quer tributar os mais ricos”, avalia Marilane.
E apesar de que neste momento a economia não tem como crescer sem investimento do Estado como está ocorrendo em outras partes do mundo, Bolsonaro quer pagar para cerca de 43 milhões de pessoas, metade do auxílio emergencial (R$ 300,00) com o Renda Brasil. Assim ele ganha capital político já que o Bolsa Família paga em média R$ 200,00.
“O problema é que a redução pela metade do valor do auxílio vai provocar uma forte redução de renda, não vai gerar atividade econômica e emprego para este contingente enorme de informais que hoje dependem do auxílio. Por isso que Guedes quer formalizar os informais”, acredita Costa Pinto.
Para o economista da UFRJ, há um embate gigantesco porque o auxílio emergencial diminuiu a pobreza extrema, mas os detentores da riqueza financeira, dizem que o governo já gastou demais e não tem como manter o auxilio, mesmo com a pandemia.
“A estratégia do governo é estimular as empresas e pessoas físicas a formalizarem o trabalhador na configuração intermitente e assinando carteira. Mas esta suposta formalização não vai mover a economia porque as grandes e médias empresas não têm demanda, não têm pra quem vender. É uma ilusão do governo achar que reduzindo o papel do Estado, a política de transferência de renda e precarizando o trabalhador, vamos sair da crise econômica”, finaliza Costa Pinto.
Fonte: CUT.