Pauta já carimbada anteriormente por segmentos da oposição, a ideia de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ganhou fôlego nos últimos dias pelo país, especialmente após a crise sanitária viver o seu auge em Manaus (AM), na última quinta-feira (14), quando dezenas de pacientes morreram por falta de oxigênio. O coro pela saída de Bolsonaro se amplificou entre deputados, internautas e manifestantes de rua.
No domingo (17), por exemplo, um novo protesto foi registrado em Brasília (DF), em frente ao Palácio do Planalto, onde um grupo suprapartidário com mais de 200 pessoas cobrou o impeachment. O protesto foi acompanhado de buzinas, gritos e outros gestos de apoio pelas imediações. Uma nova manifestação dessa natureza está programada para se repetir no próximo domingo (24) no local, desta vez com uma carreata de apoiadores.
Os atos se somam a panelaços e brados vindos de outros lugares. Um abaixo-assinado virtual organizado por ex-alunos da Faculdade de Direito da USP foi lançado na última sexta (15) com cerca de 400 apoiadores.
“Nos tempos turbulentos de pandemia, nada é mais urgente que a saúde, expressa na forma de planejamento, fomento à pesquisa, aquisição e distribuição de insumos, empoderamento da ciência e da medicina na forma de cuidado a todos e a cada cidadão. Essas expectativas viram-se frustradas em relação ao poder central”, diz o texto.
Nas redes sociais, principal palco de manifestações dos últimos tempos, as críticas se intensificaram e chamaram a atenção de especialistas e empresas que monitoram o comportamento coletivo nas plataformas.
Na quinta (14), por exemplo, dia do agravamento da situação em Manaus, foi identificado um salto de 432% nas menções ao nome “impeachment” em um espaço de 24 horas. Do total verificado, somente 9% eram comentários de defensores do presidente. O dado é da consultoria Arquimedes, divulgado pela revista Carta Capital.
Artistas estão entre os que ajudam a dar musculatura ao movimento. Entre as correntes do mundo virtual está um vídeo publicado pela atriz Maria Flor, no último dia 11, pedindo o impeachment. A postagem viralizou na internet, atraindo mais de 1,9 milhões de visualizações.
Entre outras coisas, a artista lembra o papel da Câmara dos Deputados e questiona o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre o engavetamento dos mais de 60 pedidos que hoje se avolumam em seu gabinete. O aval para liberar o andamento do impeachment é prerrogativa do cargo. “Não consigo mais viver de tanta revolta que tenho”, desabafa Maria Flor no vídeo, no que é seguida por uma avalanche de comentários de apoiadores.
Outras figuras e entidades também têm incorpado rotineiramente a defesa da pauta. “Não existe enquadramento mais cristalino em cometimento de crime de responsabilidade por presidente da República do que atentar contra a inviolabilidade do direito à vida. É urgente restaurar a garantia dos direitos fundamentais no país”, disse, por exemplo, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, em manifestação pelo Twitter na sexta (15).
A entidade ainda não firmou posicionamento oficial sobre o tema, mas anunciou recentemente que voltará a discutir o assunto internamente, após ter dito, meses atrás, que só retornaria à pauta após o controle da pandemia.
O brado se junta às insatisfações gerais relacionadas à crise socioeconômica, para a qual especialistas projetam uma piora nos próximos meses por conta do fim do auxílio emergencial e do fracasso geral de Paulo Guedes, na condução do Ministério da Economia. O fim da produção da montadora Ford no Brasil, anunciada no ultimo dia 11 – por conta, entre outros fatores, da “continuidade do ambiente econômico desfavorável”, segundo a companhia—, ajudou a endossar as críticas a Bolsonaro.
Legislativo
Os ecos têm sido ouvidos nos corredores do Congresso Nacional, onde lideranças do chamado “centrão” — base parlamentar de Bolsonaro — já começam a flexibilizar o discurso ao tocar no tema em conversas de bastidor, segundo um levantamento informal divulgado na quarta (19) pela Folha de S. Paulo.
Crítica voraz da política econômica e das demais agendas de Bolsonaro, a oposição se baseia especialmente no caos sanitário nos hospitais e na conduta do chefe do Executivo diante da pandemia para fortalecer o mantra pela sua saída do cargo.
A pauta, no entanto, ainda esbarra nos grupos que ajudam a dar sustentação ao governo no Congresso. O monitoramento virtual “Placar do Impeachment”, criado para fazer pressão no Legislativo, ajuda a mensurar a batalha, ao registrar pouco mais de 100 votos públicos favoráveis à medida. Para que a Câmara dê aval a um pedido como esse, é necessário apoio de um mínimo de 342 parlamentares.
“Hoje eu diria que ainda é algo pouco crível, do ponto de vista político, um impedimento do Bolsonaro. Existe todo um arcabouço político, social e econômico envolvido que faz com que o Congresso faça suas próprias contas”, comenta o analista político Leonel Cupertino, que atua em consultorias em Brasília, ao olhar para a matemática do jogo.
A oposição acredita, no entanto, que o bloco dos pró-impeachment pode crescer, a depender do movimento da maré.
“Essa maioria do Bolsonaro é de verdade, ele tem o apoio do centrão, mas é apoio fisiológico e que ele pode perder na primeira esquina. Dependendo do movimento que se faça contra Bolsonaro, ele pode, de forma muito mais rápida do que se imagina, perder essa maioria na Câmara”, calcula Marcelo Freixo (RJ), um dos vice-líderes do Psol, ao defender “um passo a passo para garantir isso”.
Uma das medidas seria a não eleição de Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro na eleição para presidente da Câmara, disputa que será decidida no próximo dia 1º. “Ter formas de controlar a agenda da Casa seria um instrumento de muita valia para Bolsonaro tentar se reeleger em 2022, o que seria uma tragédia humanitária”, aponta Freixo.
Na sequência, Freixo acredita que precisa haver uma forte luta por uma agenda legislativa mais orientada para a garantia da Constituição Federal. “Isso, naturalmente, faz a Câmara se voltar contra o Bolsonaro, que é um governo violador das leis”, finaliza.
Apoio popular
Entusiasma do tema, a líder do PCdoB, Perpétua Almeida, também acredita na possibilidade de impeachment. Ela acrescenta que o aumento da insatisfação popular em relação à figura do presidente e sua conduta pode fazer com que parlamentares hoje avessos à ideia de impeachment se tornem mais permeáveis a esse debate. Ela destaca também que “Bolsonaro vive uma crise de governabilidade por não comandar o país”.
“A situação do país se agrava a cada dia. À medida que a força da rede social, da rua vai crescendo, eu não tenho dúvidas de que isso vai mudar, sim, a opinião dos deputados que são a favor do Bolsonaro”, afirma, ao mencionar o comportamento dos apoiadores do presidente nas plataformas virtuais.
Um levantamento da consultoria Quaest no ranking “Índice de Popularidade Digital (IPD)”, por exemplo, identificou queda na popularidade de Bolsonaro nas redes após a aprovação do uso emergencial da CoronaVac e do imunizante produzido pela Oxford /AstraZeneca, no domingo (17).
Negacionista ferrenho, o presidente é crítico da vacinação e do trabalho desenvolvido pelos cientistas. No último fim de semana, por exemplo, ele perdeu 20 pontos em uma escala de 0 a 100 mensurada pela Quaest e teve o pior desempenho registrado no mês de janeiro pelo IPD.
Fonte: Brasil de Fato.