Uma das propostas mais polêmicas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) é a criação de uma “carteira de trabalho verde e amarela”, que existiria em paralelo à atual, azul e regida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Em tese, o trabalhador que optasse por ela abriria mão da CLT e garantiria apenas os direitos previstos na Constituição Federal.
A medida consta no programa de governo de Bolsonaro, sem detalhamentos. Em entrevista à GloboNews, Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, explicou que a ideia mira novos ingressantes no mercado de trabalho: “Porta da esquerda: tem sindicato, legislação trabalhista para proteger, encargos. Porta da direita: contas individuais, não mistura assistência com Previdência”, disse. A nova carteira, em tese, seria regida pelo texto constitucional e dependeria dos acordos realizados entre patrão e empregado, conforme previsto na reforma trabalhista de Michel Temer (MDB) – “o negociado sobre o legislado”.
Três especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato ressaltaram que a proposta carece de explicações minuciosas e, se levada a cabo, teria dificuldades práticas em ser implementada. Tainã Gois, mestranda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Rede Feminista de Juristas, analisa que a proposta tem caráter altamente especulativo, ainda que utilize brechas abertas pela reforma trabalhista.
“Na verdade, é só mais uma forma de precarizar. A reforma trabalhista deu início a esse processo, criando dentro da CLT a figura de trabalhadores que não têm todos os direitos. Dificilmente teria viabilidade” interpreta.
Um aspecto contraditório e não explicado pelo novo governo é o fato de a própria Constituição afirmar que as convenções coletivas de cada categoria devem ser observadas nos contratos de trabalho. Mesmo assim, Thiago Barison, advogado trabalhista e doutor em Direito do Trabalho pela USP, entende que o governo de Bolsonaro poderá atuar nas lacunas da Constituição, aprofundando a retirada de direitos iniciada por Temer.
“A Constituição estabelece uma jornada máxima de trabalho, mas prevê exceções. Provavelmente, [com a carteira verde e amarela], o trabalhador cairá nessas exceções. Poderia trabalhar em atividade insalubre, por exemplo, e não receber nada. Aprovar essa medida seria como oficializar o trabalhador de segunda categoria”, critica.
Além do adicional de insalubridade, o de periculosidade também não é previsto constitucionalmente, além dos intervalos intra e inter-jornadas. A Constituição também prevê o adicional noturno, mas não estabelece seu percentual – que poderia ser reduzido ao mínimo na carteira verde-amarela.
A medida segue a tendência anunciada por Bolsonaro: quanto “menos direitos, mais empregos”. Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp aponta, entretanto, que não há qualquer relação entre as duas dimensões.
“A OIT [Organização Internacional do Trabalho] pesquisou reformas das relações de trabalho em 111 países. A conclusão dela é que não existe nenhuma correlação estatística entre geração de emprego e reformas das relações de trabalho. O que gera emprego é a expectativa econômica. Nenhum empregador contrata uma pessoa porque o custo da mão de obra se reduziu de uma hora pra outra”, afirma.
Para corroborar sua afirmação, Furno lembra que o Brasil atingiu o menor registro histórico de desemprego em 2014, sem haver passado por um processo de flexibilização de direitos trabalhistas. Naquele ano, apenas 4,8% da população economicamente ativa estava sem ocupação. Hoje, o percentual é de aproximadamente 12%.
Fonte: Brasil de Fato