Qual personalidade ou instituição brasileira foi a mais perseguida por meio de mentiras e falácias na história moderna do país?
Certamente houve muita injúria contra Getúlio, Prestes, Jango, JK e Brizola. Mas quando comparamos a difamação contra a Petrobrás, com seus quase 65 anos de existência, é possível concluir que foi ainda maior, ponderando sua duração e intensidade.
A Petrobrás é um fenômeno, sua história e resultados demonstram a capacidade de realização do povo brasileiro. Por revelar a nossa capacidade ela é tão admirada e protegida pela maioria dos brasileiros que são imunes às reiteradas falácias e mentiras propaladas pelos porta-vozes do interesse antinacional.
Segundo Barbosa Lima Sobrinho: “A Petrobrás, desde a sua criação, foi mais que uma empresa pública. Surgiu como emblema da nacionalidade, a sigla mística que podia abranger e reunir o maior número possível de brasileiros fiéis à sua pátria. Petrobrás era um símbolo que, por si só, despertava emoções, como se a sua missão fosse a de acender estrelas, para iluminar o céu do futuro do Brasil”.
Pesquisa recente apontou que 70% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobrás e 78% são contra o capital estrangeiro na estatal.
Recebeu pedras desde sua criação
Para registrar o contexto histórico basta apresentar trechos dos editoriais, publicados em outubro de 1953, no jornal O Estado de S. Paulo. Foi comentando o discurso do Presidente Getúlio Vargas na cerimônia em que sancionou a Lei Nº 2004, a editoria criticou duramente a criação da Petrobrás e afirmou que o Brasil enfrentaria sérias dificuldades econômicas e não resolveria o problema da falta de petróleo.
“A atitude do Executivo e do Legislativo federais em relação ao problema do petróleo denuncia absoluta irresponsabilidade em face dos interesses nacionais. Quanto à urgente necessidade de tudo se fazer com o objetivo de prospectar e explorar as riquezas petrolíferas que o nosso subsolo porventura encerre, a ‘solução’ encontrada foi a da ‘Petrobrás’, que onerará excessivamente os contribuintes, a ponto de prejudicar a economia nacional, sem nos trazer a menor esperança de resultados positivos. A ‘Petrobrás’ significará um considerável desperdício de dinheiro e de tempo, atestando nossa incapacidade de resolver um dos mais urgentes problemas econômicos nacionais. Além disso, a aprovação e sanção do projeto de lei que cria essa empresa explicam-se menos pela ignorância do que pela sujeição do Executivo e do Legislativo à demagogia e a argumentos eleiçoeiros. Mais de uma vez tivemos o ensejo de registrar e condenar a corresponsabilidade da União Democrática Nacional nessa questão”.
Mentiras e falácias atuais
Quem pensa que a Petrobrás está quebrada, que a produção do pré-sal é lenta, que o pré-sal é um mico e não tem valor ou que a exportação de petróleo por multinacionais pode desenvolver o Brasil, está sendo enganado. É vítima da ignorância promovida pelos empresários da comunicação, políticos e executivos a serviço das multinacionais do petróleo e dos bancos.
FAKE #1 – O mito da Petrobrás quebrada
A Petrobrás é a maior e mais importante empresa do país. Embora tenha sido vítima de corrupção sempre esteve muito longe do risco de falência. A estatal é uma grande geradora de caixa. Entre 2012 e 2017, a geração se manteve estável entre 25 e US$ 27 bilhões por ano. Também neste período manteve enormes reservas em caixa, entre 13,5 e US$ 25 bilhões, superiores as multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5.
A dívida da Petrobrás é proporcional às reservas em desenvolvimento do pré-sal e aos investimentos de mais de US$ 250 bilhões, de 2009 a 2014, sendo perfeitamente administrável pela companhia que cresce, tanto na produção, quanto na geração operacional de caixa.
FAKE #2 – O “prejuízo” pelos subsídios ao consumidor entre 2011 e 2014
Não é verdade que a Petrobrás teve prejuízos enquanto adotou preços de combustíveis abaixo do internacional, entre 2011 e 2014, época em que o preço do petróleo se manteve elevado.
Neste período de altos preços do petróleo, os resultados das atividades de refino foram compensados pelos ótimos resultados das atividades de exploração e produção.
No período de 2015 a 2016, com os preços do petróleo mais baixos, os resultados de exploração e produção foram compensados pelos ótimos resultados do refino.
O fato é que o preço de venda dos derivados sempre foi acima dos custos de produção. Assim, a Petrobrás, como empresa integrada e verticalizada, sempre apresentou lucros operacionais em linha com as maiores empresas de petróleo do mundo.
O gráfico abaixo mostra os lucros brutos da Petrobrás no período de 2008 a 2017. Ao contrário do mencionado pelo Diretor-Geral da ANP, entre 2011 a 2014, a Companhia não teve prejuízos. Os resultados operacionais apresentados foram estáveis ao longo dos últimos anos justamente para garantir a lucratividade da Companhia, mas sem prejudicar os consumidores brasileiros.
FAKE #3 – Os “maus investimentos” e a corrupção superestimados
Os detratores da Petrobrás superdimensionam os prejuízos causados pelos corruptores e corruptos que lesaram a companhia, com o objetivo de justificar a privatização dos seus ativos e do petróleo.
O mito da Petrobrás quebrada foi o pilar ideológico do plano lançado em setembro de 2016, Plano de Negócios e Gestão (PNG 2017/21), que tem como principal objetivo reduzir a alavancagem, antecipadamente, a 2,5 no final de 2018. O indicador escolhido é obtido pela divisão da “dívida líquida” pelo “EBTIDA ajustado” e no plano anterior seria atingido em 2020. Assim o plano pretende justificar a privatização de US$ 35 bilhões em ativos entre 2016 e 2018.
O mito da Petrobrás quebrada é alimentado pela lenda do endividamento ameaçador. O endividamento teria sido motivado pela corrupção e por maus investimentos. Agora ele estaria a ponto de quebrar a Petrobrás e a única alternativa seria privatizar os ativos da estatal a toque de caixa. Esta falácia é revelada pela estimativa do impacto da corrupção e dos investimentos em ativos ditos improdutivos no endividamento da Petrobrás.
Em síntese, concluímos que do total da dívida existente no final de 2014 (US$ 136,04 bilhões), 4,5% correspondem aos investimentos ditos “improdutivos” e 3,6% correspondem aos efeitos da corrupção. Ressaltamos que os dois efeitos não podem ser somados porque existem efeitos redundantes pelo impacto da corrupção na “improdutividade” dos ativos.
Assim pôde ser revelada a lenda da origem perversa do endividamento que alimenta o mito da Petrobrás quebrada e suporta ideologicamente o objetivo da privatização fatiada da estatal que é disfarçada pela meta da redução da alavancagem.
FAKE #4 – A incapacidade de investir e de exercer o direito de operação única no pré-sal
A construção da ignorância sobre a Petrobrás, maior vítima histórica das mentiras e falácias (fake news) da História moderna do Brasil serve para convencer a opinião pública de que a estatal não é capaz de exercer o direito de ser a operadora única no pré-sal e investir no desenvolvimento da sua produção.
Apesar do crescimento da produção no pré-sal ter ocorrido em tempo recorde, em comparação com o Golfo dos EUA, o Mar do Norte e a própria Bacia de Campos. A produção no pré-sal já representa cerca de 55% da produção nacional.
FAKE #5 – A necessidade de privatizar ativos, alienar acumulações de petróleo e ceder direitos no pré-sal, como na cessão onerosa, para reduzir alavancagem no curto prazo
Desde 2016 foi demonstrado que a Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários. A avaliação mostra o equívoco dessa escolha política e empresarial de alienação de ativos, e revela que ela é desnecessária. A alternativa proposta preserva a integridade corporativa e sua capacidade de investir na medida do desenvolvimento nacional e em suporte a ele. Enquanto garante a sustentação financeira, tanto pela redução da dívida, quanto pela preservação da geração de caixa a médio prazo.
O verdadeiro objetivo da atual gestão é a privatização, por partes, dos ativos rentáveis da Petrobrás. A escolha do indicador de alavancagem, da meta de 2,5 e do prazo de 2018 são arbitrários. São as consequências da meta de privatização e não o contrário. Trata-se de uma falácia, de inversão de causa e efeito, que é repetida muitas vezes.
FAKE #6 – A política de preços que teria beneficiado a estatal desde 2016
A política de preços altos e vinculados à variação do preço do petróleo e do câmbio, inaugurada por Parente em 2016, prejudicou tanto a Petrobrás, quanto o consumidor brasileiro. O diesel caro da estatal encalhou nas refinarias, assim ela perdeu mercado e receita de vendas com a ocupação de até 30% do mercado brasileiro pela cadeia de importação que é multinacional e estrangeira.
Sem conseguir escoar a produção de diesel, as refinarias da Petrobrás precisaram limitar a carga de petróleo e se tornaram ociosas, em até 30%. Ganharam os refinadores dos EUA, os operadores de logística “traders” estrangeiros e as distribuidoras concorrentes da Petrobrás que operaram, lucrativamente e com baixo risco, na importação de diesel. Assim como os produtores de etanol que tomaram o mercado da gasolina cara.
Após a greve dos caminhoneiros, com preços mais baixos para os combustíveis e elevação dos riscos aos importadores, a Petrobrás retomou o mercado doméstico de combustíveis, propiciando custos menores para a população e aumento da lucratividade para Companhia. O lucro operacional do segmento de refino aumentou de US$ 3,8 bilhões no 1º trimestre de 2018, para US$ 7,2 bilhões no 2º trimestre de 2018, um aumento acima de 90% na lucratividade, através de preços menores na refinaria e recuperação do mercado.
Diante da menor competição com produtos importados, o fator de utilização do parque de refino da Petrobrás no Brasil atingiu 81% no segundo trimestre deste ano, o que representa um avanço de 9 pontos porcentuais na comparação com os primeiros três meses do ano e de três pontos em relação a igual período de 2017. Por outro lado, o aumento da carga processada nas refinarias reduziu a exportação de petróleo cru.
FAKE #7 – O “monopólio” do refino
Desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, a Petrobrás não é mais a executora única do monopólio da União nas atividades de refino no Brasil. Existem outras refinarias operando no país, que podem ampliar sua capacidade, e qualquer outra empresa estatal ou privada pode exercer atividades de refino, de acordo com seu apetite de assumir riscos de investimento, assim como a Petrobrás fez, com objetivo de atender ao crescimento do mercado brasileiro de derivados, desde que autorizada pela União.
Obrigar a Petrobrás a se desfazer de seus ativos em favor de empresas privadas representa uma ação contra a natureza de uma companhia integrada de petróleo, característica dessa indústria que objetiva a mitigação dos riscos da volatilidade do preço do petróleo e do câmbio, por exemplo. Mas, acima de tudo, é uma agressão à Petrobrás que assumiu riscos ao realizar investimentos de longa maturação, como as refinarias.
Entregar refinarias ao setor privado irá enfraquecer a Petrobrás, em um movimento na contramão da indústria, em um contexto onde as empresas nacionais de petróleo (NOCs) estão se fortalecendo em todo o mundo, inclusive através da expansão da capacidade de refino, a exemplo dos países da Ásia (China, Índia, Indonésia, Malásia), da Rússia (Rosneft e Gazprom) e do Oriente Médio. Esse tipo de política proposta pelo Diretor-Geral da ANP representa uma ação contra a lógica econômica da indústria de óleo e gás e contra o povo brasileiro.
O mercado brasileiro do refino é aberto e competitivo, faz parte da bacia do Atlântico, como demonstra a recente invasão do mercado pelo diesel produzido nos EUA, resultado dos preços altos de Parente na Petrobrás.
É descabida a exigência de preços internacionais como condição para investimentos no refino. Ainda mais estranho é o desejo de impedir a ação do Estado Brasileiro no setor.
FAKE #8 – A Petrobrás é uma empresa como outra qualquer
A Petrobrás teve sua criação autorizada pela Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, como uma sociedade de economia mista. No debate recente sobre a Petrobrás, muito se tem dito e escrito sem que se preste atenção no significado concreto da natureza jurídica da Petrobrás como uma sociedade de economia mista. A sociedade de economia mista é uma espécie de empresa estatal.
De início, basta recordarmos que, segundo o artigo 5º, III do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, a sociedade de economia mista é uma entidade integrante da Administração Pública Indireta, dotada de personalidade jurídica de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado.
Apesar de sua personalidade de direito privado, a sociedade de economia mista, como qualquer empresa estatal, está submetida a regras especiais decorrentes de sua natureza de integrante da Administração Pública. Estas regras especiais decorrem de sua criação autorizada por lei, cujo texto excepciona a legislação societária, comercial e civil aplicável às empresas privadas.
Na criação da sociedade de economia mista, autorizada pela via legislativa, o Estado age como Poder Público, não como acionista. A sua constituição só pode se dar sob a forma de sociedade anônima, devendo o controle acionário majoritário pertencer ao Estado, em qualquer de suas esferas governamentais, pois ela foi criada deliberadamente como um instrumento da ação estatal.
Sob a Constituição de 1988, toda empresa estatal está submetida às regras gerais da Administração Pública (artigo 37 da Constituição), ao controle do Congresso Nacional (artigo 49, X, no caso das empresas estatais pertencentes à União) e do Tribunal de Contas da União (artigo 71, II, III e IV da Constituição, no caso das estatais da esfera federal). Além disto, o orçamento de investimentos das estatais federais deve estar previsto no orçamento-geral da União (artigo 165, §5º da Constituição de 1988).
As empresas estatais, como a Petrobrás, estão subordinadas às finalidades do Estado, como o desenvolvimento (artigo 3º, II da Constituição). Neste sentido, é correta a afirmação de que o interesse público é o fundamento, o limite e o critério da iniciativa econômica pública. A legitimação constitucional, no caso brasileiro, desta iniciativa econômica pública, da qual a sociedade de economia mista Petrobrás constitui um exemplo, se dá pelo cumprimento dos requisitos constitucionais e legais fixados para a sua atuação.
A criação de uma empresa estatal, como uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública, já é um ato de política econômica. Os objetivos das empresas estatais estão fixados por lei, não podendo furtar-se a estes objetivos. Devem cumpri-los, sob pena de desvio de finalidade. Para isto foram criadas e são mantidas pelo Poder Público.
A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 17 de dezembro de 1976), se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235). O seu artigo 238 também determina que a finalidade da sociedade de economia mista é atender ao interesse público, que motivou sua criação.
A sociedade de economia mista está vinculada aos fins da lei que autoriza a sua instituição, que determina o seu objeto social e destina uma parcela do patrimônio público para aquele fim. Não pode, portanto, a sociedade de economia mista, por sua própria vontade, utilizar o patrimônio público para atender finalidade diversa da prevista em lei, conforme expressa o artigo 237 da Lei das S.A.
FAKE #9 – A Petrobrás pode alienar ativos como uma empresa privada qualquer
As empresas estatais, sejam sociedades de economia mista ou empresas públicas, são entidades integrantes da Administração Pública Indireta, apesar de dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Toda e qualquer empresa estatal está submetida a regras especiais decorrentes de sua natureza de integrante da Administração Pública. A alienação de bens e ativos de entes da Administração Pública tem por regra, advinda do próprio texto constitucional de 1988, a exigência de licitação.
A licitação é uma imposição constitucional expressa, conforma determinam os artigos 37, XXI e 173, §1º, III da Constituição de 1988. A legalidade, a isonomia e a impessoalidade são os princípios estruturantes de qualquer licitação pública.
Não apenas a Constituição, mas a legislação específica reitera estes princípios, como a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, dentre outras. A impessoalidade determina, entre outros deveres, o de que a Administração Pública esteja proibida expressamente de discriminar quem quer que seja sem fundamento legal, ou seja, todos devem ser tratados igualmente perante a Administração.
Do mesmo modo, a legislação é explícita ao vedar qualquer tipo de preferência ou distinção sem fundamento no ordenamento jurídico, visando frustrar justamente o caráter competitivo do procedimento licitatório. Afinal, o fundamento da ideia de licitação é o da competição, sem privilégios entre os concorrentes, como possibilidade de acesso de todos e quaisquer agentes econômicos capacitados ao certame. No sistema constitucional brasileiro, a licitação, portanto, é a regra e a dispensa de licitação é a exceção.
Empresas e investidores, nacionais ou estrangeiros, que adquiriram, depois do golpe de 2016, recursos do povo brasileiro estão cometendo um crime. Os preços pagos são incompatíveis com o mercado e a situação institucional e política não é exatamente daquelas que inspiram confiança, muito menos certeza.
O que está ocorrendo com ativos da Petrobrás e outros bens estatais estratégicos deve ser equiparado ao crime de receptação. Afinal, um bem público foi subtraído do patrimônio público de forma ilegal, pois a venda ocorreu sem licitação, e vendido a preço vil. A empresa compradora obviamente sabe o que está adquirindo e a que preço. Não há nenhum terceiro de boa-fé envolvido neste tipo de negócio. Ou seja, todas as vendas de ativos da Petrobrás que foram realizadas nos últimos tempos sem licitação são nulas.
FAKE #10 – A Petrobrás deve atender aos interesses dos seus acionistas minoritários
As empresas estatais passaram a atuar nas bolsas de valores, incentivadas pelo governo, especialmente após 1976, com a promulgação da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que reforma a legislação sobre mercado de capitais e cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e da Lei nº 6.404/1976, a lei das sociedades anônimas. Não por acaso, seus papéis respondem ainda pela maior parte das operações realizadas na bolsa, refletindo a ideia de uma gestão “empresarial” que busca maximizar o lucro na empresa estatal.
No entanto, o objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobrás, não é a obtenção de lucro, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada.
Não há nenhum sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas). A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado.
Conclusão
Um dos mitos mais presentes no imaginário brasileiro é o mito do Brasil como o país que tem um “encontro marcado com o futuro”. Porém, para as elites brasileiras, o futuro só poderia ser a cópia do estilo de vida dos países desenvolvidos, cujo usufruto teria que ser limitado a estas elites, para que não perdessem sua posição de hegemonia oligárquica no sistema. A construção da Nação, assim, nunca foi um projeto das elites, nem a integração da população. O seu objetivo limita-se à sua integração subordinada ao mercado internacional.
O Brasil, em seu processo de formação econômica, sempre oscilou entre duas grandes tendências e a exploração do pré-sal poderia conduzir o país tanto em uma, como em outra direção. Uma é a constituição de um sistema econômico nacional, autônomo, com os centros de decisão econômica internalizados e baseado na expansão do mercado interno, em um processo de desenvolvimento vinculado a reformas estruturais.
Essa alternativa está sendo destruída pelo governo golpista instaurado em 2016. A outra consiste no modelo dependente ou associado, com preponderância das empresas multinacionais e do sistema financeiro internacional, dependente financeira e tecnologicamente e vinculado às oscilações externas da economia mundial.
Caso se confirme a tomada do pré-sal pelas multinacionais petroleiras e o esvaziamento da Petrobrás, estaremos com grandes riscos de sermos apenas mais um fornecedor de óleo cru e de matérias primas, sem qualquer perspectiva de desenvolvimento e de integração social. Seremos apenas mais um Estado rentista, cuja oligarquia vive de parasitar as rendas obtidas com a venda de produtos primários e da superexploração da nossa mão-de-obra.
A destruição da Petrobrás e a entrega do pré-sal interessam a quem? Ao povo brasileiro ou a uma minoria privilegiada que vive de rendas no mercado financeiro? A resposta a essa pergunta é mais do que óbvia e a defesa da Petrobrás e do controle estatal sobre os nossos recursos petrolíferos é fundamental para o futuro do país como Nação livre e soberana.
“Parceria estratégica” é novo codinome da privatização
- Gilberto Bercovici e Felipe Coutinho
- 04/04/2018
Pesquisa recente apontou que 70% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobrás, enquanto 78% são contra o capital estrangeiro na companhia. (Folha de S.Paulo, 2018) Talvez por isso a atual direção da Petrobras evite usar a palavra “privatização”. Sob o eufemismo “parcerias e desinvestimentos”, o plano estratégico tem a meta de privatizar US$ 34,7 bilhões de ativos da estatal entre 2015 e 2018. (Petrobras, PNG 2017-2021, 2016) (Petrobras, PNG 2018-2022, 2018)
As privatizações têm sofrido questionamentos na Justiça e no Tribunal de Contas da União (TCU). Em março de 2017, a Petrobras divulgou que “adaptou o seu programa de desinvestimentos à sistemática aprovada pelo TCU”. A adaptação teve resultado sobre as vendas em andamento e não surtiu efeito sobre os projetos cujos contratos de compra e venda já haviam sido assinados.
A posição do TCU é contraditória, apesar de apontar os desvios dos processos de privatização em curso permitiu que aqueles em fase avançada fossem concluídos sem nenhum reparo. Do mesmo modo, o TCU e os vários órgãos de controle se omitem em relação à política de substituição do monopólio estatal da Petrobras por monopólios privados, o que é absolutamente vedado pela Constituição, em seus artigos 170 e 173, §4º. E, na medida em que a Petrobras vem sendo fatiada, os agentes econômicos privados tendem a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe ainda mais o já pífio crescimento do mercado interno.
Dos projetos que puderam ser concluídos, destacamos a venda de 90% da participação acionária na Nova Transportadora do Sudeste (NTS), da Petroquímica Suape e Citepe e da Liquigás, esta última recentemente impedida pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Dos projetos de privatização encerrados e que foram destinados à reavaliação para compor a nova carteira, destacamos a cessão dos direitos de campos terrestres, de concessões em águas rasas nos estados de Sergipe e Ceará, nos campos de Baúna e Tartaruga Verde e a alienação de participação acionária da BR Distribuidora que recentemente foi concluída por meio de oferta pública de ações.
O comunicado da Petrobras sobre a adequação à sistemática exigida pelo TCU registra, em nota, que “não inclui parcerias estratégicas”. (Petrobras, Adaptamos nosso Programa de Desinvestimentos à Sistemática aprovada pelo TCU, 2017)
“Parcerias estratégicas”
Diante das restrições para aceleração das privatizações decorrentes da sistemática exigida pelo TCU a alta direção da Petrobras passou a formar estratégicas parcerias.
Por meio da parceria com a francesa Total vendeu 22,5% (do total de 65% que possui) da concessão de Iara e outra de 35% (dos 45% que possui) no campo de Lapa. Em fato relevante a Petrobras informa que o acordo envolve US$ 2,2 bilhões. Em entrevista coletiva Pedro Parente explica “Conversamos com a área técnica do TCU e trata-se de parceria estratégica e não desinvestimento”. (Valor, 2016)
Ficamos assim: desinvestimento não é privatização e parceria estratégica não é desinvestimento? É evidente que o resultado da parceria é a privatização sem respeitar as regras estabelecidas com o TCU.
Para o Chairman e CEO da Total, Patrick Pouyanné, “com a concretização da Aliança Estratégica com a Petrobras, que acontece após a recente decisão de investimento para o desenvolvimento em larga escala do campo gigante de Libra, operado pela Petrobras e no qual a Total é parceira, a Total consolida sua presença no Brasil, em uma das bacias mais prolíferas do mundo, tendo como diferencial a sua expertise em águas profundas. Estamos particularmente satisfeitos por sermos a primeira major a operar um campo em produção no pré-sal brasileiro”.
Pouyanné declarou também: “pretendemos continuar fortalecendo a nossa Aliança Estratégica com a Petrobras através do compromisso de intensificar a nossa cooperação técnica em operações, pesquisa e tecnologia, e desenvolver novas sinergias entre as duas empresas”. (Petrobras, Petrobras e Total concluem a cessão de direitos das concessões de Lapa e Iara, como parte de sua Aliança Estratégica, 2018)
Em setembro de 2017, a Petrobras e a chinesa CNPC firmaram Memorando de Entendimento para iniciar tratativas referentes a uma parceria estratégica. (Petrobras, Petrobras e CNPC formam Aliança Estratégica abrangente, 2017)
Em outubro de 2017, a Petrobras assinou uma carta de intenções com a inglesa BP para identificar e avaliar conjuntamente oportunidades de negócio, envolvendo ativos ou empreendimentos no Brasil e no exterior. O documento prevê cooperação nas áreas de exploração & produção, refino, transporte e comercialização de gás, GNL, trading de petróleo, lubrificantes, combustível de aviação, geração e distribuição de energia, renováveis, tecnologia e iniciativas de baixa emissão de carbono, visando o desenvolvimento de uma potencial aliança estratégica entre as companhias. (Petrobras, Petrobras inicia negociação com a BP para aliança estratégica, 2017)
Em dezembro foi a vez de a norte-americana ExxonMobil, com o qual a Petrobras firmou consórcio para exploração de seis blocos offshore na Bacia de Campos. (Petrobras, Petrobras e ExxonMobil formam Aliança Estratégica, 2017)
Ainda em dezembro de 2017, Petrobras e Statoil assinam contratos relacionados à parceria estratégica. Acordo envolve cessão de 25% da participação da Petrobras no campo de Roncador, pelo valor total de US$ 2,9 bilhões. (Petrobras, Acordo envolve cessão de 25% da participação da Petrobras no campo de Roncador, pelo valor total de US$ 2,9 bilhões, 2017)
Até o momento foram firmados memorandos, acordos e contratos sob a bandeira das “parcerias estratégicas” com cinco multinacionais, a francesa Total, a chinesa CNPC, a inglesa BP, a estadunidense ExxonMobil e a norueguesa Statoil. As parcerias permitem a privatização dos ativos industriais e das concessões de petróleo e gás da Petrobras, sem seguir o regramento acordado com o TCU e descumprindo a legislação brasileira.
Conclusão
Estamos diante de uma política deliberada da atual direção da Petrobras de violar a legislação existente sobre venda de ativos de empresas estatais. Essas “parcerias estratégicas” com alienação de ativos da Petrobras são juridicamente nulas, dada a ausência de licitação pública, como determina o Plano Nacional de Desestatização e o artigo 29 da Lei 13.303/2016, que não inclui venda de ativos de sociedade de economia mista como caso para dispensa de licitação pública.
A legalidade, a isonomia e a impessoalidade são os princípios estruturantes de qualquer licitação pública. Não apenas a Constituição (artigo 37), mas a legislação específica reitera estes princípios, como a Lei nº 8.666/1993, dentre outras. A impessoalidade determina, entre outros deveres, o de que a Administração Pública esteja proibida expressamente de discriminar quem quer que seja sem fundamento legal, ou seja, todos devem ser tratados igualmente perante a Administração.
Do mesmo modo, a legislação é explícita ao vedar qualquer tipo de preferência ou distinção sem fundamento no ordenamento jurídico, visando frustrar justamente o caráter competitivo do procedimento licitatório. Afinal, o fundamento da ideia de licitação é o da competição, sem privilégios entre os concorrentes. No sistema constitucional brasileiro, a licitação é a regra e a dispensa de licitação é a exceção.
O pressuposto da licitação é justamente a competição, como possibilidade de acesso de todos e quaisquer agentes econômicos capacitados. E isto vem sendo reiteradamente violado com a atuação da Petrobras nas “parcerias estratégicas”, nas quais a direção da estatal simplesmente escolhe diretamente com quem vai estabelecer a parceria, portanto, dirige a venda de seus ativos para um comprador já previamente determinado.
Sob a Constituição de 1988, as empresas estatais, como a sociedade de economia mista Petrobras, estão subordinadas às finalidades do Estado. A legitimação constitucional, no caso brasileiro, desta iniciativa econômica pública, da qual as sociedades de economia mista constituem exemplos, se dá pelo cumprimento dos requisitos constitucionais e legais fixados para a sua atuação.
Os objetivos das empresas estatais estão fixados por lei, não podendo furtar-se a estes objetivos. Devem cumpri-los, sob pena de desvio de finalidade. Para isto foram criadas e são mantidas pelo Poder Público.
A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976) se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235). O seu artigo 238 também determina que a finalidade da sociedade de economia mista é atender ao interesse público, que motivou sua criação.
A sociedade de economia mista está vinculada aos fins da lei que autoriza a sua instituição, que determina o seu objeto social e destina uma parcela do patrimônio público para aquele fim. Não pode, portanto, a sociedade de economia mista, por sua própria vontade, utilizar o patrimônio público para atender finalidade diversa da prevista em lei, conforme expressa o artigo 237 da Lei das S.A.
O objetivo essencial das sociedades de economia mista não é a obtenção de lucro, mas a implementação de políticas públicas. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas).
A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado.
Portanto, fica evidente que as sociedades de economia mista, como a Petrobras, estão constitucional e legalmente vinculadas aos fins definidos nas suas leis instituidoras, não havendo possibilidade jurídica de utilizarem o seu patrimônio, por sua própria vontade ou do governante de plantão, para atender a outras finalidades, comprometendo, inclusive, a sua própria continuidade e atuação como ente da Administração Pública Indireta do Estado.
As chamadas “parcerias estratégicas” não passam de uma forma de burlar as condicionantes constitucionais e legais de atuação da Petrobras, privilegiando determinados agentes econômicos privados, geralmente estrangeiros, escolhidos a dedo, sem nenhuma forma de concorrência pública, em clara violação às determinações impostas pelos órgãos de controle da Administração, como o TCU.
A partir de 1º de janeiro de 2019, o novo presidente eleito precisa revogar todas as medidas privatistas e antinacionais que estão sendo tomadas por Michel Temer e a atual direção da Petrobras. As multinacionais estrangeiras que se beneficiam desta alienação devem ser tratadas como receptadoras de bens vendidos de forma ilegal e o patrimônio estatal devidamente recuperado para o bem de todos os brasileiros.
Artigo de Gilberto Bercovici,pProfessor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Felipe Coutinho, Engenheiro Químico e Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET).