O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a proposta de reforma da Previdência a ser enviada ao Congresso em fevereiro vai incluir um regime de capitalização. Ou seja, caberá a cada trabalhador administrar sua própria poupança. Esse sistema é semelhante ao adotado no Chile, em 1981, em plena ditadura do general Augusto Pinochet.
No país sul-americano, trabalhadores mantêm contas individuais em empresas chamadas de Administradoras de Fundos de Pensão (AFP). Porém, as pensões pagas são miseráveis. Quem se aposenta com salário de R$ 2.635, por exemplo, recebe entre R$ 660 (mulheres) e R$ 870 (homens). Isso significa que os chilenos recebem a metade do salário mínimo daquele país. Os dados são da Superintendencia de Pensiones de Chile, órgão estatal que controla o sistema de Previdência daquele país.
Tomando como exemplo o Chile, o ex-ministro da Previdência Carlos Gabas prevê que o sistema de proteção social brasileiro será enfraquecido caso o regime de capitalização seja implantado. “No Chile também há uma informalidade absurda e apenas 40% dos trabalhadores conseguem se aposentar. E desses 40%, mais da metade recebe uma aposentadoria inferior ao salário mínimo. É uma indústria da pobreza”, afirma.
O Chile possui seis administradoras de fundos de pensão que, segundo Gabas, têm acumulado 80% do PIB do país. E apenas uma tem capital nacional. “O que o Chile ganhou com isso? Concentração de renda, aumento da renda do pessoal que especula no mercado financeiro e empobrecimento da população. É isso que o Paulo Guedes quer implantar no Brasil”, critica.
Diante do fracasso do modelo previdenciário, a sociedade civil chilena se organizou e promove massiva campanha popular para acabar com o sistema de capitalização.
O modelo brasileiro atual de previdência é financiado por um tripé formado por contribuições do governo, empregados e empregadores – estes, por meio da folha salarial, que representa 70% da fonte de custeio.
Proposta infinitamente pior
Tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional (PEC 287), concebida ainda no governo Temer, que prevê idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 para mulheres, e 15 anos de tempo mínimo de contribuição para poder se aposentar. Além disso, a proposta em tramitação levará em conta a média de contribuição de todos os salários. Hoje é utilizada a média dos 80% maiores salários de contribuição.
“A posposta de Guedes é infinitamente pior do que a de Temer porque não trata mais de reformular o sistema. Ela propõe acabar com o modelo de repartição e institui o modelo de capitalização individual. è aí que está o problema”, critica Gabas, ao completar: “Hoje quem paga a previdência é o empregado e o empregador. No modelo novo não tem mais contribuição do empregador. O empregado vai contribuir com o seu fundo pessoal, e o Estado vai continuar sendo obrigado a pagar as aposentadorias, mas não vai ter arrecadação para isso”.
“Quem vai pagar isso? É a sociedade. E vai custar R$ 6 trilhões, no mínimo. Então que economia é essa que vai gastar o equivalente a um PIB para fazer uma transição para dar dinheiro para banco?”, questiona o ex-ministro, que afirma não haver sentido nenhum optar pela capitalização.
Sonegação e isenções fiscais
Gabbas rebate o argumento amplamente difundido nos canais tradicionais de imprensa de que o sistema previdenciário está quebrado. Segundo ele, o déficit está ligado à crise econômica, que gera desemprego e, por consequência, afeta o financiamento do sistema previdenciário.
“No atual sistema de repartição, a previdência urbana era superavitária até 2015, e é vinculada ao resultado econômico. Se há atividade econômica, há emprego. Quando a crise se agravou, aumentou o desemprego e caiu a arrecadação. O problema não é estrutural, é conjuntural”, afirma.
O ex-ministro, no entanto, defende a reforma do sistema modificando as fontes de financiamento do sistema atual por meio de reforma tributária, fim das isenções fiscais concedidas a empresas e combate à sonegação de impostos.
Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), as isenções de impostos para empresas alcançaram R$ 354,7 bilhões. Esse montante corresponde a 30% de toda receita líquida do governo no ano e supera os alegados déficits da Previdência Social e do regime de aposentadorias dos servidores federais, que somaram R$ 268,8 bilhões em 2017.
Somente em 2017, o Brasil deixou de arrecadar R$ 500 bilhões por causa da sonegação de impostos, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.
“Não podemos ficar dependendo basicamente da folha de salários. Há um movimento natural de substituição de gente por tecnologia e isso perde arrecadação. É preciso compensar essa perda com cobrança de contribuição sobre faturamento e sobre lucro”, propõe Gabbas.
Como exemplo, ele cita o setor bancário, que na década de 1980 contava com mais de um milhão de empregados. “Não havia tecnologia, tudo era manual. Quando o internet banking e os terminais de autoatendimento foram implantados, quase 50% da mão de obra dos bancários foi eliminada e o lucro dos bancos não caiu 50%. Pelo contrário, só aumentou. Ou seja, os bancos reduziram a folha de salário em quase 50%. Nós precisamos migrar essa fonte de financiamento para faturamento ou lucro”, defende o ex-ministro.
Reforma tributária
Além disso, Gabas afirma ser impossível promover reforma da Previdência sem fazer uma reforma tributária. “O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo. Só paga imposto quem é pobre. A tributação está vinculada a consumo, e o imposto de renda que existe é a classe trabalhadora quem paga”, explica o ex-ministro.
“É preciso tributar o patrimônio e a renda dos mais ricos. Não dá para falar em retirar direitos dos trabalhadores sem cobrar impostos de lucros e dividendos. E isso não está na pauta. Mas o Bolsonaro está falando em reduzir a alíquota de imposto de renda de quem ganha muito, que já não paga muito imposto”, conclui.
Fonte: CUT.