Os trabalhadores e trabalhadoras formais, ou seja, com carteira assinada, podem receber um valor extra no saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidirem, em votação marcada para o dia 20 de abril, que a conta individual deve ser corrigida acima do índice da Taxa de Referência (TR), que zerou de 1991 a 2012.
No julgamento, os ministros vão decidir qual o índice, quem tem direito, se somente sindicatos poderão entrar com ação coletiva, se decisão só vale para quem já entrou ou para quem entrará e uma série de outros detalhes, mas tem advogados aliciando trabalhador para entrar com ação já. Um erro que pode causar prejuízo financeiro. Entenda por que.
Nas redes sociais, centenas de advogados estão publicando vídeos induzindo o trabalhador a: 1) pagar um valor para que eles calculem quanto vão ganhar se o STF mudar o índice; e, 2) a contratá-los para entrar com uma ação na Justiça para garantir o direito à correção.
O que esses advogados não dizem é que, além do índice de correção do saldo da conta, os ministros do STF deverão decidir critérios sobre quem terá direito, tipo de ação – individual ou coletiva – e uma série de regras. E mais, a votação no Supremo, apesar de ter data de início marcada, não tem data de término.
Entenda o que está em julgamento
Os ministros do STF vão julgar em abril a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 5090, ajuizada, em 2014, pelo partido Solidariedade que contesta o uso da Taxa de Referência (TR) como o índice que corrige o saldo do FGTS.
Os índices da TR são menores do que os da inflação, desde setembro de 2012 e já chegou a ser de menos de 1%, prejudicando os trabalhadores na hora da correção. A Taxa ficou abaixo do índice de inflação, de 1991 a 2012.
No julgamento, os ministros irão decidir também:
-Se todos os trabalhadores brasileiros terão direito à correção, independentemente de já ter feito o saque, ou não, do FGTS;
– Se sindicatos poderão entrar com novas ações – coletivas – na Justiça fazendo a mesma reivindicação para seus trabalhadores, após a decisão do STF e;
-Se somente o trabalhador e/ou sindicato que entrou com ação receberão retroativamente a correção a partir de 1999, ou de outra data a ser definida.
Ou seja, não adianta contratar um advogado agora, antes das decisões dos ministros do Supremo porque, ao invés de ganhar, o trabalhador pode perder dinheiro.
Mesmo que o STF decida mudar o índice de correção, dependendo do valor a receber, os custos jurídicos na contratação de um advogado particular que não seja do seu sindicato, podem ser maiores. Por isso é melhor levantar esses custos antes de fazer uma contratação.
“Para aqueles que sofreram ou ainda sofrem com a precária correção monetária das suas contas de FGTS, não há impedimento para que entrem com as ações. A dica, todavia, é que aguardem o julgamento do STF”, orienta o advogado Ricardo Carneiro, sócio do escritório LBS, que atende a CUT Nacional.
Como saber se você tem direito à correção do FGTS
É importante destacar que o trabalhador deve se dirigir ao seu sindicato e procurar o departamento jurídico para ver se a sua entidade entrou com ação coletiva na Justiça pedindo a correção do FGTS por um índice melhor que a TR. Esta foi uma orientação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 2013, a seus sindicatos.
Se o sindicato entrou com ação coletiva, explica Carneiro, é preciso checar se você está na lista de beneficiários da ação.
Isso evita potenciais transtornos advindos de uma demanda individual, como a condenação em honorários sucumbenciais, diz o advogado.
O que a CUT pode fazer?
A CUT não entra com esse tipo de ação, mas os sindicatos filiados a ela podem entrar. É por isso que a entidade está acompanhando de perto o julgamento no STF para, a partir da decisão dos ministros, orientar seus sindicatos que deverão repassar a informação aos seus trabalhadores.
É verdade que tem trabalhador que já ganhou a ação e já está recebendo?
Não. É preciso ter muito cuidado com notícias que têm circulado sobre ganhos de causa. Isso NÃO é verdade. Não há nenhum posicionamento definitivo do Judiciário sobre o assunto.
O STJ já decidiu desfavoravelmente em decisão proferida no REsp nº 1.614.874, oriundo de Santa Catarina.
A ADI nº 5.090, ajuizada pelo Partido Solidariedade, que está sob a relatoria do ministro Luís Barroso, especificamente sobre a TR na correção do FGTS, é que vai decidir sobre o tema.
Como é a correção do FGTS e o que pede a ADI
Na prática o FGTS recebe, anualmente, juros de 3%. O pedido da ação é para que seja corrigido todo o período, independentemente se a conta é ativa ou inativa.
Diante das perdas, a ADI pede ainda que a nova taxa de correção seja baseada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) ou no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (INPCA-E).
Para entender essa conta o escritório LBS Advogados que atende a CUT Nacional publicou uma cartilha explicando quem tem direito ao novo cálculo e mostrando as perdas.
Como fazer os cálculos
É necessário fazer cálculos individuais. Considerar o salário da pessoa e o tempo de serviço. Para chegar a valores altos, há cálculos para os últimos 30 anos, tese que conflita com o próprio STF, que já decidiu pela prescrição de cinco anos.
Por isso que a correção valerá para contas ativas e inativas a partir de 1999. Veja exemplos abaixo.
Confira as perdas/ganhos considerando a remuneração total (TR+3%) em relação ao INPC, a partir de 1991 quando a TR foi criada. Na prática o FGTS recebe, anualmente, juros de 3%.
Confira o ‘tira dúvidas’ completo
O que é a TR?
A Taxa Referencial (TR) foi instituída na economia brasileira pela Lei nº 8.177, de 31/03/1991, que ficou conhecida como Plano Collor II. Seu objetivo foi estabelecer regras para a desindexação da economia.
Na época da criação da TR, foram extintos um conjunto de indexadores que corrigia os valores de contratos, fundos financeiros, fundos públicos, bem como as dívidas com a União, dentre outros.
A TR é calculada, pelo Banco Central, a partir do cálculo dos juros médios pagos pelos Certificados de Depósito Bancário (CDBs)) e Recibos de Depósito Bancário (RDBs) pelos 30 maiores banco. Em 1995, o Banco Central introduziu na fórmula um redutor sobre esse cálculo.
Por que vai a correção pode valer para contas a partir de 1999?
A partir de 1999 a alteração no cálculo da TR fez com que deixasse de representar ou corresponder aos índices inflacionários correntes, como o INPC ou o IPCA-E.
Em regra, os anos de correção dependerão da data do ajuizamento da ação, sendo certo que, conforme o STF, a prescrição é quinquenal. Ou seja, ajuizada a ação, ela retroagirá seus efeitos a cinco anos.
“Essa regra, todavia, poderá ser alterada, caso o STF “module” os efeitos. Ou seja, defina parâmetros para a vigência e para a própria eficácia da decisão, seja ela qual for. Sim, seja ela qual for, pois é possível que a ação seja simplesmente julgada improcedente e de que não decorreria direitos para os trabalhadores e trabalhadoras envolvidos”, explica Ricardo Carneiro.
Quando a TR passou a corrigir os saldos do FGTS?
A partir de fevereiro de 1991, quando a TR foi criada. O artigo 17 da Lei nº 8.177/91 estabelece que:
“Art. 17. A partir de fevereiro de 1991, os saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passam a ser remunerados pela taxa aplicável à remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia 1°, observada a periodicidade mensal para remuneração.
Parágrafo único. As taxas de juros previstas na legislação em vigor do FGTS são mantidas e consideradas como adicionais à remuneração prevista neste artigo.”
Minha conta no FGTS tem outra correção?
Sim. A Lei nº 8.036/90, que regulamenta o FGTS, estabelece juros moratórios de 3% ano e a atualização monetária que sempre foi fixada, ao longo dos anos, por legislação própria, sem definição de índice na Lei nº 8.036/90.
A correção das contas do FGTS feita pela TR ficou abaixo da inflação?
Sim. Entre 1991e 2012, tudo que foi corrigido pela TR ficou abaixo do índice de inflação. Somente nos anos de 1992, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998, a TR ficou acima dos índices de inflação.
Então, minha conta no FGTS perdeu?
Sim. A partir de 1991, quando foi criada a TR. Veja as perdas/ganhos anuais em relação ao INPC-IBGE:
Consigo saber quanto minha conta de FGTS perdeu?
Cada cálculo é individual, dependerá do período de recolhimento, se houve saque ao longo do tempo, para depois aplicar o índice correspondente. É bom esclarecer que as diferenças em reais nas contas individuais não são muito altas. Veja os exemplos:
O primeiro exemplo é para quem dois anos de emprego formal e nunca fez o saque no período indicado e com salário de R$ 678 a R$ 10 mil reais.
O segundo exemplo é para quem tem de 4 a 7 anos de emprego formal e nunca fez o saque no período indicado e com salário de R$ 678 a R$ 10 mil reais.
E essa diferença só foi vista agora?
O problema da escolha da TR como fator de correção/atualização do FGTS ganha força agora porque a distância entre a TR e a inflação tem aumentado e a partir de setembro de 2012. Atualmente, o saldo de contas vinculadas do FGTS ainda é corrigido pela Taxa Referencial (TR), que em 1º de fevereiro de 2023 alcançou o índice de 0,0830%.
O que disseram até agora os Tribunais
Segundo Ricardo Carneiro, é recorrente no âmbito do STF a tese jurídica de que a utilização da TR como índice de correção monetária impede a exata recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período apurado.
Por outro lado, existe decisão firme no âmbito da Justiça Comum no sentido de ser a correção pela TR legal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também considerou “que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice”, de acordo com o “Tema Repetitivo nº 731 do STJ”.
Por que essa questão ainda não foi solucionada?
Porque não se trata de uma questão isolada do FGTS. Trata-se de todo um sistema que se relaciona. Os trabalhadores de menor renda, que são beneficiados com programas de financiamento, subsidiados pelo FGTS, poderiam sofrer impactos. O mesmo em relação aos trabalhadores com financiamento pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que têm dívidas corrigidas pela TR.
Além disso, o critério é legal e exige, portanto, alteração na lei para que se repense o sistema de remuneração global e das contas do FGTS.
Para entender melhor o debate da remuneração do FGTS
O que é o FGTS?
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é um fundo parafiscal, criado em 1966, em substituição à estabilidade decenal no emprego. É formado por depósitos mensais, efetuados pelo empregador, em contas individuais e vinculadas, em nome de cada trabalhador com carteira assinada.
Os depósitos correspondem a 8,0% do salário mensal do trabalhador e incidem também sobre o 13º salário e o adicional de 1/3 das férias.
A função do FGTS é proteger o trabalhador quando ele é demitido sem justa causa, se aposenta, morre ou fica inválido. Além disso, o fundo financia a habitação popular e a partir de julho também para a classe média, o saneamento e a infraestrutura urbana.
Quem tem direito ao FGTS?
Todo trabalhador e toda trabalhadora com contrato de trabalho formal, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, quem tem carteira assinada.
Também têm direito ao FGTS todos os trabalhadores rurais, temporários, avulsos, domésticos, safreiros (operários rurais que trabalham apenas no período de colheita) e atletas profissionais.
A correção monetária das contas do FGTS está garantida em Lei?
Sim, em seu artigo 2º:
“Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.”
A TR também é utilizada para outras obrigações, correções e contratos?
Sim. Ela serve igualmente para definir outras obrigações, como nos casos dos empréstimos do SFH e a correção da poupança.
A TR é igual aos índices de preço que medem a inflação?
Nunca foi. Ao contrário, a TR foi criada para tentar desvincular a economia de qualquer memória inflacionária.
Fonte: CUT.