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Três cartas, 27 governadores e a batalha para entrar na reforma da Previdência

Um racha entre os 27 governadores brasileiros expôs, mais uma vez, a dificuldade de articulação do Governo Jair Bolsonaro em aprovar sua reforma da Previdência. A divisão poderia fazer com que Estados e municípios fiquem de fora das alterações nas aposentadorias previstas na proposta de emenda constitucional (PEC) 06/2019. A ausência deles criaria uma figura jurídica até então impensável: um país com 5.598 regimes previdenciários distintos: um para os servidores da União e demais trabalhadores da iniciativa privada, 27 regimes dos Estados e 5.570 dos municípios. A sugestão de tirar Estados e municípios do texto original partiu de um grupo de deputados e partidos no Congresso. Assim, cada Estado teria de discutir nas respectivas Assembleias Legislativas as mudanças previdenciárias, o que dividiria o desgaste de Brasília com a medida impopular que mexe com o país.

Mas falta consenso entre os governadores sobre qual projeto eles vão defender na proposta que está no Congresso. A divisão entre chefes dos Executivos estaduais ficou exposta na última semana, quando foram lançadas três cartas distintas em nome dos governadores e causaram desconforto para os mandatários, que se reunirão na próxima terça-feira durante o Fórum dos Governadores, em Brasília. Há duas razões para os governadores entrarem diretamente nessa discussão da Previdência. A primeira é econômica. O déficit das previdências estaduais é de quase 95 bilhões de reais. E a estimativa de economia para a próxima década é de 350 bilhões de reais, caso a reforma seja aprovada da maneira como foi enviada ao Congresso Nacional. A segunda, é política. Caso eles não estejam na reforma, cada um terá de enfrentar o desgaste local para fazer sua própria mudança.

É nesse cenário que surgiu a confusão das três cartas dos governadores. A primeira publicada na quinta-feira era uma espécie de afronta aos parlamentares. Nela, os governadores manifestavam “veemente repúdio à sugestão de retirada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios da Proposta de Emenda à Constituição que modifica o sistema de Previdência Social, atualmente debatida no Congresso Nacional”. Não teve assinaturas, mas foi enviada pelo Fórum dos Governadores, que tem como coordenador Ibaneis Rocha (MDB-DF). Foi escrita após pressão do governador de São Paulo João Doria (PSDB-SP), que reclamou com os seus 26 colegas por meio de um grupo de WhatsApp. Doria protagonizou esta semana as queixas sobre o assunto. “A eventual possibilidade de excluir Estados e municípios seria um desastre para o país”, reclamou ele.

Como vários governadores se queixaram do tom do documento, horas depois, elaboraram um novo, mais ameno e assinado por 25 mandatários. No texto, só não havia os nomes do governador da Bahia, Rui Costa (PT-BA), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA). Na versão final, o termo “repúdio à sugestão de retirada” foi substituído por “apoio à manutenção…”. Além disso, disse que esperava contar com “o indispensável apoio de nossos deputados e senadores para a manutenção dos Estados e do Distrito Federal na Nova Previdência, a fim de garantir o equilíbrio fiscal e o aumento dos investimentos vitais que promovam a melhoria da vida de nossos concidadãos, evitando o agravamento da crise financeira que já se mostra insustentável”.

Os nove governadores da região Nordeste – sete deles filiados a partidos de esquerda como PT, PCdoB e PSB, que fazem oposição ao Governo Bolsonaro – negaram ter assinado esses dois documentos e publicaram uma nova carta, na qual admitem a necessidade da reforma, mas criticam vários pontos dela, como as alterações na aposentadoria dos trabalhadores rurais, o corte no pagamento do abono salarial, a desconstitucionalização das regras previdenciárias, a capitalização e a redução do benefício de prestação continuada (que é o pagamento para idosos e deficientes físicos que tem a renda inferior a um quarto de um salário mínimo). Por fim, reclamaram que “a retirada dos Estados da reforma e tratamentos diferenciados para outras categorias profissionais representam o abandono da questão previdenciária à própria sorte, como se o problema não fosse de todo o Brasil e de todos os brasileiros”.

Indagado sobre a confusão entre os chefes dos Executivos estaduais, Ibaneis Rocha amenizou as diferenças. “Não existe racha. Existe divergência. Dia 11 estaremos todos aqui juntos, no Fórum de Governadores e eu tenho certeza que todos os governadores serão ouvidos em suas posições. Unanimidade sempre foi uma coisa muito burra”.

Já Flávio Dino, um dos que não assinaram o texto, disse que o fórum se antecipou à discussão e divulgou duas cartas que não tinham sido objeto de consulta geral. Apesar de ser considerado um dos líderes da oposição ao governo Bolsonaro, o governador maranhense diz que é a favor da reforma, mas não da que foi enviada ao Congresso. “Não vou defender uma reforma que destrói o país e mata os mais pobres. Enquanto não ajustar os pontos que afetam essa população, qualquer outro tema será secundário, inclusive a participação dos Estados e municípios”, disse.

Outro opositor à gestão Bolsonaro, o governador Wellington Dias (PT-PI) referenda a posição de Dino e também cobra as alterações dos pontos que atingem a população mais pobre. “Tirar os Estados não resolve o problema do Brasil”, pondera.

Com a inabilidade do presidente da República para negociar com os governadores, quem tem sido apontado como o bombeiro para apagar esse incêndio é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Praticamente todas as semanas ele conversa com os chefes dos Executivos para colher as impressões deles sobre o tema e tenta costurar um acordo. Sua posição é que as mesmas regras para os servidores federais deveriam passar a valer para os demais. “Se a reforma sair, pode botar na conta do Maia”, afirmou Dino.

Com a proximidade do recesso do Legislativo, a Câmara tem corrido contra o tempo para aprovar a reforma nas próximas cinco ou seis semanas. Até o dia 15, o relator da PEC na Comissão Especial da Reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), deve entregar o seu voto. Em mais uma ou duas semanas o relatório é votado no colegiado, para seguir para o plenário na sequência. A aprovação da proposta ocorre com o apoio de 308 dos 513 deputados. Depois, ainda segue para o Senado.

 

Fonte: El País

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