Não é de hoje que o PMDB nacionalista de Ulysses Guimarães e Severo Gomes aderiu à globalização e ao neoliberalismo. Há, porém, uma diferença entre o governo liderado por Michel Temer e Henrique Meirelles e os transformismos anteriores.
Na década de 1990, o partido foi coadjuvante do PSDB nos sonhos globalizantes, mas a adesão parecia motivada mais pelos pedágios da governabilidade do que por uma adesão genuína ao credo neoliberal.
Em 2015, contudo, o novo programa do PMDB, “Uma ponte para o Futuro”, anunciou em grande estilo uma adesão radical ao neoliberalismo. Enquanto Donald Trump e o Brexit anunciavam novas fissuras na globalização, o PMDB jurava que “a globalização é o destino das economias que pretendem crescer”.
A meta fundamental é instituir um modelo de crescimento orientado prioritariamente para o mercado internacional, substituindo um orientado prioritariamente para o mercado interno. As demais reformas se enquadram nisto, voltadas a evitar a elevação de tributos e reduzir custos salariais diretos e indiretos.
O sonho de Temer e Meirelles é que o Brasil se torne um paraíso dos investidores e, enfim, seja capaz de disputar investimentos externos não só com China e México como nos anos 1990, mas também com Vietnã e Bangladesh.
Lembremos o que aconteceu nos anos 1990: o projeto neoliberal assegura apenas a inclusão de uma parcela minoritária da população no mercado global, gera enorme instabilidade econômica, política e social e normalmente acaba com uma crise cambial e financeira.
Enriquece, no entanto, um bom número de financistas, empresários e tecnocratas locais associados às filiais estrangeiras e aos fundos de investimento globais. O preço é transformar ex-empresários locais em acionistas periféricos de novas filiais resultantes da anexação das firmas nacionais.
Foi este risco que abriu um espaço para o PT no empresariado local que pretendia manter alguma independência diante da ameaça de anexação representada pela globalização sem controle. José de Alencar e Emílio Odebrecht, entre outros, perceberam que sem concessões e apoio à parte das demandas populares representadas pelo PT, o empresariado nacional desaparecia.
Para o PT, o apoio ao empresariado nacional não só asseguraria a geração de emprego e renda no País como conferiria suporte político para um projeto de melhora das condições de vida de trabalhadores pobres e excluídos sem ameaça à ordem social.
Como sabemos, um calcanhar de Aquiles deste projeto era que os mecanismos de produção de governabilidade típicos do sistema político brasileiro não foram reformados, mas talvez até aprofundados. Os esquemas de corrupção do neoliberalismo não foram denunciados nem interrompidos.
Os “compadres” que ganharam leilões de privatização e informações financeiras privilegiadas nos anos 1990 foram substituídos pelos que superfaturavam bens e serviços nos programas crescentes de investimento público que contribuíram, de fato, para a aceleração do crescimento na segunda metade da década passada.
Depois da Operação Lava Jato e do impeachment para o qual ela contribuiu, os compadres voltaram a ser os antigos, provavelmente sem precisar corromper ninguém. As filiais estrangeiras que terão direito a 1 trilhão de reais de cortes de impostos nas concessões do pré-sal, descobertas pelo esforço tecnológico de décadas dos brasileiros que, um dia, foram mobilizados pela bandeira “O Petróleo é Nosso”. Ou as empresas chinesas que pretendem comprar terras no País para evitar intermediários locais na oferta de soja e carne para o mercado chinês.
Em 2016, um dia depois da Assembleia Geral da ONU, Temer admitiu a empresários reunidos no Council of the Americas que o impeachment ocorreu porque Dilma recusou a “Ponte para o Futuro” , que tanto interessava aos investidores estrangeiros. Na Assembleia da ONU de 2017, o peemedebista anunciou que o Brasil está “mais aberto para o mundo”.
Enquanto isto, Meirelles exortava a comunidade empresarial dos EUA a investir no Brasil, pois os preços ainda não acompanhavam a “recuperação da economia”. Comprem o Brasil enquanto está barato.
Curiosamente, a Embraer sempre foi citada como exemplo isolado do sucesso do neoliberalismo, o caso de um estatal que, privatizada, ganhou o mundo. De fato, a Embraer é uma das poucas empresas brasileiras, como a Petrobras, que se insere como “agregadora de sistemas” na economia global.
Ou seja, domina capacitações tecnológicas e organizacionais que lhe permite organizar um sistema de produção e distribuição em escala global, a partir de uma base nacional. Isto é importante não apenas para a geração local de renda e impostos, mas também por causa da difusão de tecnologias e encomendas para todo um complexo regional de fornecedores de bens e serviços de maior capacitação tecnológica.
O que os neoliberais escondem é que a Embraer não é uma ilha de excelência privada em um oceano de ineficiência pública. Além de herdar equipes da própria empresa estatal, o sucesso da Embraer contou com instituições públicas que corrigem falhas de mercado, como a oferta de financiamento de longo prazo para a inovação e provisão de infraestrutura científica para a formação de pessoal qualificado.
O sucesso global da Embraer é inexplicável sem o BNDES, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o Centro Tecnológico Aeroespacial, a prefeitura e outras instituições públicas e privadas enraizadas em um local, São José dos Campos.
Na quinta-feira 21 o The Wall Street Journal anunciou a provável anexação da Embraer pela Boeing. Se a aquisição se confirmar, o mais provável não é que os fornecedores locais no polo tecnológico e empresarial de São José dos Campos passem a suprir encomendas globais da Boeing. É de esperar que sejam substituídos nas próprias encomendas da Embraer por outros fornecedores da Boeing no resto do mundo, como é de praxe.
O governo brasileiro tem o poder de vetar a transação. Se não o fizer, além de representar mais um episódio do projeto do governo Temer de desmontar instituições de controle e orientação da inserção nacional na globalização, a anexação deve revelar o verdadeiro significado do neoliberalismo nos trópicos.
Hoje, não se trata sobretudo de criar e ocupar “nichos” produtivos e tecnológicos especializados no mercado global, mas vender ativos (de empresas a terras) e criar uma casta de rentistas e acionistas periféricos de filiais e fundos de investimento globais. Será este o destino dos últimos empresários nacionais de porte?
Se o projeto neoliberal compartilhado pelo PMDB e o PSDB vencer nas eleições de 2018, talvez nos reste apostar qual será a próxima grande empresa brasileira a ser desnacionalizada. A Petrobras, a Vale ou a Odebrecht?
Fonte: Carta Capital