O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que conversava com Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flávio, sobre assuntos como demissão “até estourar o problema”, e que funcionários do Rio de Janeiro foram exonerados porque, com a campanha eleitoral do ano passado, ele ficava fora do estado “de segunda a sábado”.
“Mas é mudança normal, isso aí não tem nada para espantar”, disse o presidente na manhã desta segunda (28), na saída de seu hotel em Abu Dhabi, onde esteve desde sábado.
Como publicou a Folha neste domingo, áudios indicam que o presidente comunicou a Queiroz a intenção de demitir uma funcionária do gabinete de seu filho vereador Carlos Bolsonaro (PSC). O objetivo seria desvinculá-la da família. Queiroz e o senador Flávio Bolsonaro são alvos do Ministério Público do Rio.
Cileide Barbosa Mendes, 43, a funcionária em questão, é doméstica da família Bolsonaro e “laranja” na empresa do ex-marido de Ana Cristina Valle —Ana é ex-mulher do presidente.
Bolsonaro afirmou que os funcionários sabiam que teriam que ser demitidos, por causa da possibilidade de mudança para Brasília do atual presidente e seu filho Flávio, caso fossem eleitos. Segundo ele, as demissões foram “para exatamente evitar problemas”.
“Agora, essa, especificamente, a Cileide, ela se formou em enfermagem tem dois anos aproximadamente, fez pós-graduação e ela sabia que não ia continuar conosco porque, eu eleito, o Flávio eleito, o eleito viria para Brasília. Se bem que ela estava no gabinete do Carlos. Mas é mudança normal, isso aí não tem nada para espantar”, disse o presidente.
O presidente também responsabilizou a mídia por notícias que, segundo ele, tentam desestabilizá-lo, e disse que empresas de comunicação podem ter problemas na renovação de concessões (emissoras de rádio e TV precisam renovar contratos para operar; a da Globo vence durante o mandato de Bolsonaro).
“Tem empresa que vai renovar seu contrato brevemente, eu não vou perseguir ninguém. (Mas) para quem estiver devendo, vai ter dificuldade. Então os órgãos de imprensa jogam pesado para ver se me tiram de combate para facilitar sua vida”, disse ele.
O presidente afirmou ainda que “o pessoal quer pegar fantasma e rachadinha o tempo todo”, mas que Cileide não é funcionária fantasma. “Ela desde 2000 estava no mesmo endereço. Não é fantasma. Sempre morou desde 2002, a casa é minha, está em meu nome. Ela mora embaixo e em cima era um escritório, um fundo de quintal, por assim dizer.”
Na gravação obtida pela Folha, Queiroz afirma que Bolsonaro pretenderia exonerar Cileide “porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: ‘Vou ter que exonerar ela assim mesmo’. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela não? Ela continua na casa em Bento Ribeiro?”.
O áudio foi gravado em março deste ano. A gravação não esclarece quando ocorreu a mencionada conversa entre Queiroz e o presidente, que reafirmou ontem que não fala com o ex-assessor desde o ano passado, quando veio à tona relatório no qual o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) revela movimentação financeira atípica nas contas de Queiroz.
“Depois do que aconteceu eu me afastei, até porque com qualquer contato eu poderia ser acusado de tentar obstruir a Justiça. Num dos áudios, inclusive, ele diz que está abandonado, não é? Não é que seja abandonado. Não estou casado com ele, está certo? Espero que ele seja feliz na sua defesa, que a verdade venha à tona. Se for inocente, que volte à vida normal”, disse Bolsonaro.
Depois de dizer que não se sabe qual é a data da gravação, Bolsonaro colocou em dúvida sua autenticidade. “Gostaria de saber primeiro se é verdade o áudio. Se for verdade, estou curioso para saber quem é o amigo do Queiroz, só isso. Acho que amigo da onça é pouco para ele.”
O áudio foi enviado pelo ex-assessor a um interlocutor não identificado, por meio do WhatsApp. A fonte que repassou as gravações à reportagem pediu para não ter o nome divulgado.
A gravação mostra que Jair Bolsonaro administrava as nomeações e exonerações não só de seu gabinete como de seus filhos.
Como mostrou a Folha em maio, Carlos Bolsonaro manteve a “faz-tudo” em seu gabinete por 18 anos. A relação de Cileide com a família é antiga. Nos anos 1990, ela era responsável pelos afazeres domésticos na casa da ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, e do ex-marido dela, o militar Ivan Ferreira Mendes. Uma das funções era cuidar do filho do casal.
Em janeiro de 2001, após Carlos Bolsonaro ser eleito vereador, Cileide foi nomeada em seu gabinete. No início de 2019, Carlos fez uma limpeza e exonerou nove funcionários, entre eles a ex-babá, que ganhava R$ 7.483.
Bolsonaro embarcou na manhã desta segunda para o Catar, de onde segue para a Arábia Saudita, antes de voltar para o Brasil.
QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA NO CASO QUEIROZ
- Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?
- Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou esta versão de Queiroz?
- Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?
- Se Flávio possui apenas uma empresa que foi aberta em seu nome, em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012 a 2014?
- Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
- De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
- Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
- Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?
INCONSISTÊNCIAS NO PEDIDO DO MP-RJ
Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro – Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu
Remuneração de Queiroz - Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar
Saques – Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados
Laranja potencial - Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo
Patrimônio – Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida
Fonte: Folha de São Paulo