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Patriotismo seria Jair dizer por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz

Bandeira dos EUA em manifestação em favor de Bolsonaro em 3 de maio de 2020

Artigo de Leonardo Sakamoto

Jair Bolsonaro usou um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, no Dia da Independência, nesta segunda (7), para trazer um punhado de ficção aos lares dos brasileiros. Mas nada comentou sobre três coisas que todos estão ansiosos por ouvir: de onde virá o dinheiro para manter parte do auxílio emergencial na forma de Renda Brasil? Como seu governo vai fomentar a geração de empregos sem tirar proteções dos trabalhadores? Por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa? Um presidente que ama a pátria, como ele diz amar, responderia tudo isso. Principalmente, a última questão.

O presidente afirmou, em seu discurso, que o Brasil deixou claro, em 7 de setembro de 1822, que nunca mais aceitaria ser submisso a qualquer outra nação. Mas ignorou que foi o seu governo que se tornou vassalo da gestão Donald Trump, dos Estados Unidos, colocando fim a uma longa tradição diplomática de equilíbrio em nossas relações exteriores.

Também disse que religiões, crenças e comportamentos foram respeitados ao longo da história e o Brasil desenvolveu o senso de tolerância. O mesmo senso de tolerância, provavelmente, que leva a praticantes de religiões de matriz africana serem perseguidos por fundamentalistas cristãos cujas lideranças são afagadas por ele próprio. Ou que leva à população LGBTQI+ ser espancada e morta nas ruas, empoderados por criminosos que repetem declarações do próprio Bolsonaro.

Colocou a ideia de “greve” no mesmo balaio de “radicalização ideológica, desordem social e corrupção generalizada” ao falar de “ameaça comunista” na década de 1960 – aquele discurso paranoico até hoje usado pelos militares para justificar o golpe de 1964. O que dá uma boa medida de como ele enxerga esse direito básico dos trabalhadores, ferramenta usada quando a voz deles não é ouvida.

O trecho que trata da greve, como bem destacou Maurício Stycer, colunista do UOL, reproduz uma parte do editorial de O Globo, de 1984, assinado por Roberto Marinho, em defesa do golpe. Em 2013, o jornal afirmou que o apoio havia sido um “erro”. Independente de ser usado como provocação ao grupo de mídia, Bolsonaro endossa e reafirma o significado violento desse trecho ao tomá-lo como seu. Aliás, endossa o próprio golpe com seu discurso.

É incrível como o presidente nem cora as bochechas ao falar da importância da preservação das instituições democráticas. Ele, que semanas atrás, estava saudando manifestantes que pediam o fechamento do Congresso Nacional, a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal e um novo AI-5. Ele que corroeu e submeteu instituições de monitoramento e controle da República, como a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, a Receita Federal, o Coaf, o Ibama, o ICMBio, o Incra, a Funai, desde que assumiu.

O discurso ufanista do presidente é baseado em um Brasil perfeito. Mas nosso país não é assim. E a menos que passemos a ver as coisas como elas realmente são, continuaremos a reproduzir o mesmo preconceito e a mesma opressão que costuraram nossa história.

A letra do hino nacional brasileiro não é uma das mais bonitas do mundo, ao contrário do que afirmam correntes que circulam na rede. Até porque é impossível mensurar tal coisa. Mas ainda temos tristes índices de iletramento.

Também é mito que a bandeira nacional (cujo verde não surgiu para representar “nossas matas”, mas é uma faz cores da antiga casa imperial brasileira) é considerada uma das mais belas. Mas somos reconhecidos por taxas de desmatamento da Amazônia que chocam o planeta.

O povo brasileiro não é, necessariamente, o mais alegre do planeta. Mas é um dos campeões de desigualdade social e de concentração de renda. Aliás, difícil ser um dos mais felizes com mais de 127 mil mortos por covid. A democracia racial, apesar de alardeada como exemplo planetário, não existe e, por isso, não nos define. O que nos explica são séculos de escravidão e sua herança viva nas relações do trabalho e no sentimento de que há quem manda e quem obedece.

O Brasil não é o país que tem a mulher mais bonita do mundo. Até porque esse país não existe. Mas somos uma nação reconhecidamente machista. Que não apoia candidaturas de mulheres na política como as regras mandam, mas as usa como laranjas para repassar dinheiro aos homens.

Nossa comida não foi eleita a mais gostosa. Mas estamos entre os campeões globais de uso de agrotóxicos.

Não está escrito em lugar algum que teremos um futuro grandioso pela frente. E se o governo federal continuar torturando as instituições até que elas gritem o que ele deseja, talvez nem tenhamos um futuro.

Gente deixada de fora das grandes festas, entregues ao pão e circo de desfiles com tanques e motos de guerra em datas festivas – neste ano trocado pela ficção do discurso presidencial. Mas que, quando voltam para casa, encaram a realidade da falta, da ausência, da dificuldade.

O melhor de tudo é que, todas as vezes que alguém levanta indagações sobre quem somos e a quem realmente servimos ou conclama ao espírito crítico, essa pessoa é acusada de não amar o país, no melhor estilo “Brasil: ame-o ou deixe-o” dos tempos da ditadura civil-militar. “Orgulho de ser brasileiro.” Nisso concordo plenamente com o que Bolsonaro disse no pronunciamento. Orgulho, contudo, que não exclui a possibilidade de vergonha sobre seu governo.

Fonte: UOL

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